Thursday, June 26, 2008

A VER SE ESTA MERDA PASSA


Vou aos bares da poesia
frequento tertúlias políticas
a ver se esta merda passa

Passam-me flashes pelo cérebro
recomeço a imaginar filmes
a ver se esta merda passa

sou expulso dos blogues
sou renegado pelo partido
escrevo em desespero
a ver se esta merda passa

sou personagem de outros séculos
sou herói e vilão à moda antiga
escrevo em desespero
a ver se esta merda passa

estás curado, meu filho
ouço a voz do meu pai
a ver se esta merda passa.

COM UM ABRAÇO AO LUÍS


CERVEJA : 26/Jun/2008




não sei quantas garrafas de cerveja consumi
enquanto esperava
que as coisas melhorassem
não sei quanto vinho e quanto whisky
e cerveja
sobretudo cerveja
consumi
após pedaços de mulheres
- à espera que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e o telefone nunca toca
a não ser quando é demasiado tarde
e os passos nunca chegam
a não ser quando é demasiado tarde
quando o meu estômago está a subir
a sair pela minha boca
eles chegam frescos como flores primaveris:
"mas que merda fizeste contigo?
demorarão 3 dias até que me possas
dar uma queca novamente!"



a fêmea é durável
vive sete anos e meio mais que o macho
e bebe muito pouca cerveja
porque sabe que faz mal à figura.

e enquanto nós estamos a enlouquecer
elas saíram
e andam lá fora a dançar e a rir
com cowboys entesados.

pois bem, há cerveja...!
sacos e sacos de garrafas vazias
e quando apanhas um do chão
a garrafa cai
através do fundo molhado
do saco de papel
rolando
fazendo barulho
entornando cinza molhada
cerveja fresca,
ou o saco cai
às 4 da manhã
produzindo
o único som da tua vida.

cerveja...
rios e mares de cerveja...
a rádio a passar canções de amor...
enquanto o telefone permanece silencioso
e as paredes permanecem direitas
de cima abaixo
de cima abaixo...

e cerveja...
cerveja é tudo o que resta.




Charles Bukowski
(tradução livre a partir do inglês)

original e mais poemas de vários autores podem ser consultados em www.pedacosdalma.blogspot.com

Monday, June 23, 2008


Tens fé nos futebolistas do reino?
Acreditas no Dinheiro?
Achas possível a revolução?
És adepto da competição?
Achas que a humanidade tem salvação?
Acreditas nos cantores pimba?
Queres tornar-te um homem de negócios?
Militaste na extema esquerda?
Fumaste marijuana?
Acreditaste que eras um deus?
Leste muitos livros?
Acreditas que a salvação está no punk ou no rock n' roll?
Acreditas nos padres?
Acreditas nos poetas?
Vês televisão?
Fazes teses de doutoramento acerca do fenómeno futebolístico?
Leste Henry Miller?
Acreditas em Deus?
Acreditas na televisão?
Tiveste uma infância feliz?
Alguma vez foste internado?
Eras tímido na adolescência?
Passavas as tardes a ouvir Pink Floyd?
Pensas muito?
Gostas de gajas boas?
TEns depressões longas?
Entras em contradição com as tuas convicções?
Consideras-te pequeno-burguês?
ÉS contra o capitalismo?
Ou já te converteste ao sistema?
Gostaste da escola?
Andaste na faculdade?
Estudavas?
Apaixonas-te facilmente?
Apaixonas-te pelas gajas da televisão?
Anda tudo alienado?
Adaptaste-te à sociedade?
Ias à missa?
Gostas de whisky?
Vais aos sites pornográficos bater punhetas?
Assumes os teus poemas autobiográficos?
ÉS louco?
Algum dia serás famoso?
Tens poder?
Influencias as pessoas?
Gostas de foder?
Tens dinheiro?
Tens trabalho?
Fazes maluquices no palco?
Percebes as pessoas?
Gostas de futebol?
Acreditas na televisão?
Vais às noites de poesia?
Escreves poesia?
Achas-te uma merda?
Achas-te genial?
Tens saudades dos chás da tua avó?
Gostas do Júlio Isidro?
Acreditas nos bêbados?
Acreditas no rock n' roll?
Vais ao cemitério?
Gostas da terra onde vives?
Queres regressar à infância?
Bebes cerveja?
Apetece-te bombardear tudo?
ÉS uma espécie de rei?
és o messias?
Acreditas em Marx?
Acreditas em Bakunine?
Acreditas no Cavaco?
Tens amigas maradas?
Achas a vida´uma seca?
Tens visões?
Acreditas em Nietzsche?
Acreditas em Artaud?
Acreditas no Pato Donald?
Acreditas no Astérix?
Amas a tua namorada?
Vais candidatar-te ao trono?
és melancólico?
Falas pouco?
As mulheres gostam de ti?
Tens fé nos futebolistas do reino?
Achas bonitas as gajas da televisão?
Queres ter sucesso?
Queres ter dinheiro?
Porque é que tudo gira em torno do dinheiro e do sucesso?
Acreditas no rock n' roll?
Acreditas em Jesus Cristo?
Acreditas no Ronaldo?
Acreditas na brasileira do café?
Acreditas na "Brasileira"?
Acreditas nas pessoas felizes?
Acreditas nos artistas?
Acreditas no umbigo da gaja da televisão?
Acreditas na revolução?
Acreditas no àlcool?
Acreditas no partido?
Acreditas no Tony Carreira?

ACREDITAS QUE ESTAMOS VIVOS?

Friday, June 20, 2008

QUASI DIÁRIO


Pedro Ribeiro é, sem a mínima dúvida, um personagem sui-generis no nosso pequenino meio vilacondense... e como tal merece um apontamento da parte deste blog, também ele um pouco sui-generis... também ele defensor das causas perdidas...



Artista marginal assumido, Pedro Ribeiro tem tido um percurso interessante na árdua subida do reconhecimento. Tendo publicado textos em revistas como 'Bíblia' e 'Íncubus', Pedro Ribeiro afirma-se como autor de livros de poesia - À Mesa do Homem Só -, sendo também o fundador da revista literária 'Aguas Furtadas'. Para além disso, a sua paixão pelas letras ainda o levou a percorrer o caminho do teatro, para o qual contribuiu com a peça 'Dá-me Heroa'... ya, tá fixe!...



Últimamente o Pedro tem andado atarefado a percorrer os tascos da noite, promovendo o lançamento do seu último livro 'Sexo, Noitadas e Rock'n Roll', sempre acompanhado de bué de música, com referências a Jim Morrison e ao poeta maldito Rimbaud...



Como curiosidade, Pedro Ribeiro, homem de pensamentos e actos reflectidos, ficou conhecido em Braga, no início dos anos 90, como o "Che" que queria encerrar o Feira Nova, pelo facto de as grandes superfícies lhe causarem grande impressão na retina...



Por cá, é frequente encontrá-lo no Patheo, bar do meu amigo Ramiro, a escrever panfletos revolucionários de teor anarquista para a Frente Guevarista Libertária, movimento marginal do qual o Pedro é o seu fundador, presidente e único membro activo...



Viva Che...

em VILA DO CONDE QUASI DIÁRIO.

Monday, June 16, 2008

MANIFESTO NEO-ANARQUISTA


MANIFESTO NEO-ANARQUISTA
Por CACTOS INTACTOS 20/07/2004 às 14:54


INGRESSE NO C.A.C.T.O.S. I.N.T.A.C.T.O.S.
(COLETIVO ANARQUISTA CONTRA A TIRANIA DAS ORDENS SATÂNICAS INIMIGAS DO NOVO TEMPO DA ARTE COMO TERRITÓRIO ÔNTICO SUPERIOR)



MANIFESTO
Nossa militância é voltada para o campo artístico, onde travam-se hoje os enfrentamentos essenciais da disputa pelo poder na sociedade contemporânea.

O esvaziamento do âmbito político e, portanto, da importância do Estado é o efeito colateral mais notável da expansão pletórica do universo midiático,
manifesta na onipresença do espetáculo.

Vivemos num mundo sitiado pela propaganda, pela imprensa e pelo entretenimento eletrônico. Este cerco maciço desterritorializa a vida privada e não deixa espaço para mais nada que não seja a reiteração
perpétua de seus valores intrínsecos veiculados "ad nausean" por um simulacro da realidade objetiva definido como informação e assombrado (possuído) pela
propaganda feroz e infatigável.

Sua função é determinar modelos de comportamento e estabelecer limites para o potencial humano de forma a assegurar um rígido, mas silencioso,controle sobre as individualidades, voltado preferencialmente para o consumo, a subserviência e o conservadorismo.

Achamos que a arte não deve permanecer dividida em compartimentos estanques e imutáveis. Esta é uma forma do sistema midiático lidar com o fazer artístico de forma a simplificar o seu enfoque propriamente estético e transformar obra de arte em bem de consumo.

SOMOS DISCÍPULOS DE NIETZCHE, PARA QUEM A ARTE ERA MAIS IMPORTANTE QUE A VERDADE, O QUE SIGNIFICA QUE O BELO IMPÕE-SE POR SI PRÓPRIO, PELO ESPLENDOR OFUSCANTE DE SUA PRÓPRIA EXUBERÂNCIA PATENTE, ENQUANTO A VERDADE É SUJEITA A INÚMERAS CONTROVÉRSIAS.

NOSSA PRAXIS PRINCIPAL É A GUERRILHA CULTURAL

NOSSO PRINCIPAL OBJETIVO: A INCLUSÃO MARGINAL

INCLUSÃO MARGINAL: TIPO DE VISIBILIDADE QUE NÃO IMPLICA NA RENÚNCIA À SUPREMACIA ABSOLUTA DOS PRINCÍPIOS ESTÉTICOS OU EM QUALQUER TRAIÇÃO À FONTE PRIMEVA DE INSPIRAÇÃO ORIGINAL DO ARTISTA FIEL Á SUA SENSIBILIDADE.

Sunday, June 15, 2008

ARTAUD


ANTONIN ARTAUD: LOUCURA E LUCIDEZ, TRADIÇÃO E MODERNIDADE - CLAUDIO WILLER

Em O Teatro e seu duplo, obra na qual apresenta o conjunto de idéias que constituíram o teatro da crueldade, Antonin Artaud defende uma linguagem que pudesse exprimir objetivamente verdades secretas. Uma linguagem mais concreta que a utilizada para falar da esfera psicológica: mudar a finalidade da palavra no teatro é servir-se dela em um sentido concreto e espacial, combinando-a com tudo o que o teatro contém de especial e de significação em um domínio concreto; é manipulá-la como objeto sólido, capaz de abalar as coisas inicialmente no ar, e em seguida em um domínio mais misterioso e mais secreto.


Por isso, o teatro da crueldade é um ritual, valorizando o gestual e o objeto, trocando o lugar de palco e platéia. Em outras de suas obras, como Heliogábalo, O anarquista coroado e Viagem ao país dos Taraumaras, criou uma recíproca desse teatro, uma espécie de semiologia onde as coisas têm significado e formam discursos. A leitura de Viagem ao país dos Taraumaras, e do que escreveu depois sobre o ritual do peiote, mostra que esse rito do sol negro foi, para ele, a mais autêntica realização do teatro da crueldade.


Em uma das Cartas de Rodez, quando esteve internado nessa instituição psiquiátrica em 1945, Artaud responde a Henry Parisot, que lhe havia mandado o Jabberwocky (Jaguadarte) de Lewis Carroll (obra na qual é inventada a palavra-baú) perguntando-lhe se não queria traduzi-la. Diz que não, que Lewis Carroll não tem uma visão fecal do ser, e o acusa de haver roubado um texto seu: tendo escrito um texto como Letura d'Eprahi Talli Tetr Fendi Photia O Fotre Indi, não posso tolerar que a sociedade atual (…) só me deixe traduzir um outro feito a sua imitação. (…) Aqui estão alguns experimentos de linguagem aos quais a linguagem desse livro antigo devia assemelhar-se. Mas que só podem ser lidos se escandidos em um ritmo que o próprio leitor deverá achar para entender e para pensar:

ratara ratara ratara
atara tatara rana
otara otara katara
otara retara kana
ortura ortura konara
kokona kokona koma
kurbura kurbura kurbura
kurbata kurbata keyna
pesti anti pestantum putara
pest anti pestantum putra

Há outros exemplos dessa linguagem em Artaud, em sua fase pós-internamento. Mas ele não a inventou: o uso de fonemas não-semantizados é arcaico. Octavio Paz, no ensaio Leitura e Contemplação (publicado na coletânea Convergências), trata das glossolálias, o "falar línguas", expressão de estados alterados de consciência por gnósticos e outras doutrinas místicas. Analisa o modo como reaparecem em autores modernos – Huidobro, Khlebnikov, Fargue, Michaux, Hugo Ball e Artaud: na história da poesia moderna, reaparece a mesma obsessão dos gnósticos e dos cristãos primitivos, dos montanistas e dos xamãs da Ásia e da América: a busca de uma linguagem anterior a todas as linguagens, e que restabeleça a unidade do espírito. Embora intraduzível para tal ou qual significação, essa linguagem não carece de sentido. Mais exatamente: aquilo que enuncia não está antes, mas depois da significação. Não é um balbuciar pré-significativo: é uma realidade ao mesmo tempo física e espiritual, audível e mental, que transpôs os domínios do significado e os incendiou.


O paralelo entre a escrita de Artaud e idéias gnósticas e herméticas também é apontado por Susan Sontag, comentando as passagens, em Artaud, nas quais as palavras são tratadas primariamente como material (som): elas têm um valor mágico. A atenção ao som e forma das palavras, como distinta de seu significado, é um elemento do ensinamento cabalístico do Zohar, que Artaud estudou na década de trinta. Isso é evidente em textos como Para acabar com o julgamento de Deus, onde afirma que toda verdadeira linguagem é ininteligível, e exemplifica com glossolálias: potam am cram/ katanam anankreta/ karaban kreta/ tanamam anangteta/ konaman kreta/ e pustulam orentam/ taumer dauldi faldisti. Para acabar… é um catecismo de heresias. Afirma que onde cheira a merda, cheira a ser, perguntando, em uma suprema blasfêmia: É deus um ser?/ Se o for, é merda. São blasfêmias ditas a partir de um ponto/ em que me vejo forçado/ a dizer não,/ NÃO/ à negação. A liberdade está no avesso: Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas/ como no delírio dos bailes populares/ e esse avesso será/ seu verdadeiro lugar.


Semelhante escrita do avesso é uma sobrevivência de idéias gnósticas, nascidas nas areias da Palestina, inventadas por um concorrente do Cristo, Simão o Mago, para depois se disseminarem em remotos séculos I e II, por seitas que buscavam formar religiões secretas, principalmente no Egito, convivendo com o neoplatonismo e o hermetismo. Os crentes na criação do mundo por uma divindade decaída, o Demiurgo, e na salvação humana pela obtenção de um conhecimento resultando, não da adesão, mas da luta contra Deus. Para alguns, pela adoção de um código moral às avessas. Desapareceram diante da organização teológica e política do cristianismo, perseguidos e combatidos como hereges, para reaparecer na Idade Média como bogomilos e, no século XIII, como cátaros da Provença, exterminados militarmente. A inversão da história do Jardim do Éden, na qual a serpente é portadora, não da perdição, porém da sabedoria, além de se manter em cultos demoníacos da Idade Média e da Renascença, aparece na criação literária como adesão ao avesso, fascinação romântica e pós-romântica pelo desafio, não apenas à ordem social, mas universal. A permanência da heresia como sombra da História é a expressão da revolta contra um mundo e uma sociedade onde tudo está errado, fora do lugar. Por isso, engendrado por um ente maligno, o Demiurgo. William Blake, que acreditava em um Deus ruim e opressor, em conflito com um Deus bom, é um escritor antecipado pela Gnose, mais que pelo paganismo. Assim como, a seu modo, Baudelaire, Nerval, Lautréamont, Jarry e Artaud.


Cosmogonias invertidas, glossolálias e pensamento mágico também comparecem nos delírios, nos surtos psicóticos. Diferentes sociedades em diferentes épocas tiveram suas representações da loucura e lugares para o louco. É possível mostrar que no xamã, sacerdote tribal primitivo, os três lugares são o mesmo. Confundem-se também em William Blake, que conversava com profetas bíblicos. A loucura de Artaud consistiu em ele ter sido um personagem de si mesmo, identificando obra e vida. Inspirado em seus textos, praticou-os na vida real, como no famoso episódio, relatado por Anais Nin, da palestra (O Teatro e a peste, de O teatro e seu duplo), em que declarou que não iria falar da peste, porém mostrá-la, encarnando o empesteado, sofrendo, contorcendo-se até cair no chão, de forma tão chocante que esvaziou o auditório. Ou nas ocasiões em que afirmou que Paris era Roma antiga e ele, Artaud, era Heliogábalo.


Identificar linguagem e realidade, querer que o símbolo se torne efetivo, ativo no plano da realidade, é pensamento mágico. E também pensamento poético, busca da anulação do tempo. A confusão entre criação, idéias típicas do sintoma e temas de uma tradição esotérica chega a nós pela corrente subterrânea da história; passa a ser um dos modos da tradição da ruptura, para utilizar a expressão criada por Octavio Paz (em Os filhos do barro). Em seus elogios e homenagens a Lautréamont, Nerval e Poe, Artaud se assume como representante dessa tradição. Reescreve uma história da literatura como história de escritores loucos, que culmina nele.


É especialmente fascinante como Artaud, depois de viajar ao México para tomar peiote entre os Taraumara, de ter uma crise ao voltar e ser internado, produziu textos literariamente superiores, pela força, ritmo e riqueza de imagens. Onde se pode ver como antagônicos, em muitos escritores, um componente psicótico, destrutivo, e um componente criador, em Artaud ambos interagiam; um alimentou o outro. Sua obra culmina, em 1947, com Van Gogh, o suicidado pela sociedade, esplêndido poema em prosa onde reitera que louco é o homem que a sociedade não quer ouvir, e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis. Afirma que um dos meios de a sociedade burguesa marginalizar artistas videntes é através de bruxarias. Insiste em que seu internamento é obra de uma conjuração, pois, se o deixassem solto, mudaria o mundo. Caracteriza Van Gogh como vítima solidária do mesmo enfeitiçamento.


Assumindo a ótica de Artaud, distinguir entre categorias como normalidade e loucura, ou entre arte, sintoma e delírio, é uma falsa questão. É inevitável, ao discuti-lo, adotar a perspectiva e o tipo de epistemologia defendida por Michel Foucault na parte final de As Palavras e as Coisas, e, a meu ver, de modo mais consistente pelo surrealismo. Consiste em pensar o delírio, tanto quanto o sonho e a criação poética, como meios de conhecimento. Assim como a linguagem científica abre campos de conhecimento, a linguagem não-instrumental, não-discursiva, abre outros campos de experiência do real. Entender o inconsciente como consciência não-discursiva ajuda a esclarecer a modernidade de Hölderlin, Nerval, Lautréamont, Corbière, Germain Nouveau, Jarry e Artaud. Permitindo a intervenção do inconsciente, rompem com o discursivo e com a sociedade: rompem com o discurso da sociedade. Fazem arte revolucionária, pela radicalidade da rebelião individual, e por sua crítica à realidade: por isso falo em tomá-la como meio de conhecimento, e não apenas como algo a ser interpretado, como objeto do paradigma clínico ou de uma teoria literária. A inserção consciente de Artaud na tradição da ruptura acentua o caráter universal de sua contribuição, por mais que esta se tenha manifestado de modo particular, irredutível, que não permite uma escola ou doutrina de seguidores, apesar da sua influência em tantos campos da modernidade: teatro, poesia, contracultura, antipsiquiatria. É universal por expressar contradições fundamentais, entre o sujeito e o mundo que lhe é exterior, o imaginário e o real, o absoluto e o contingente, o poético e o prosaico.

MY KING


MY KING

A TV envenena
a TV destrói
a cerveja envenena
a cerveja mói

Não há mulheres para ti
meu rei, meu único rei
my king, my only king

Vives na época errada
de vez em quando
aparece-te uma gaja marada
que te acende
de vez em quando a luz
de vez em quando a vida
de vez em quando
my king, my only king
de vez em quando
és quem queres
de vez em quando
és Deus

A cerveja mói
faz-te escrever
Há quem te saúde e grite o teu nome
há quem te ponha no trono
há quem te veja como o mago que és
de Nietzsche de Rimbaud
da Idade do Ouro
do Uno Primordial
de vez em quando
my king, my only king

Mas isto dói, dói tanto
que nem sei se vale a pena estar aqui

e o velho pega nas muletas
e tu tens de rir
enfrentar a fera
tens de rir de desprezo
na cara da angústia
tens de rir
até ao fim da noite
tens de rir
mais alto do que eles
demoradamente entusiasticamente
tens de rir
até cair
my king, my only king
meu mago doido, meu poeta.

Friday, June 13, 2008

BEBER NOITE FORA

Apetecia-me beber
beber
e morder-te a pele
desse lado do balcão
a arder
como o sol
apetecia-me beber
beber
noite fora
com os amigos que me restam.
Não sei se estou bem ou mal
estou num estado indefinido
aqui na confeitaria
a ler e a escrever
a música toca
e as pessoas falam

Wednesday, June 11, 2008

REGRESSO


REGRESSO

Regresso,
merda,
regresso
por uma noite
por um palco

grito
salto
rebento
parto tudo
sou quem sou
ninguém me trama

Sunday, June 8, 2008

GOMES LEAL

Gomes Leal

António Duarte Gomes Leal nasceu em Lisboa em 1848, filho de um funcionário da Alfândega, com algumas posses, que morreu em 1876.

Depois dos estudos regulares, foi escrevente de um notário de Lisboa, o que contribuiu para a sua iniciação precoce na literatura e política. Ingressou no Curso Superior de Letras (que não concluiu), mas só foi reconhecido como poeta em 1869, quando publica o folhetim "Trevas" na Revolução de Setembro. É apresentado por Luciano Cordeiro como um dos "poetas Novos", a par de Teófilo Braga, Antero de Quental, Guilherme Braga e Guerra Junqueiro, entre outros.

Escreve não só inúmeros folhetins, como funda com Magalhães Lima, Silva Pinto, Luciano Cordeiro e Guilherme de Azevedo, em 1872, o jornal satírico "O Espectro de Juvenal", alvo de críticas ( "Alma Nova", no Diário de Notícias, com o artigo "Duas Palavras sobre a Poesia Moderna").

No ano da morte de sua irmã (Maria Fausta, sua principal fonte de inspiração) publica "Claridades do Sul" (1875), o seu primeiro livro poético, que, apesar de ainda ultra-romântico, revela já certos aspectos parnasianos (nomeadamente na versificação e temática), numa "poesia sentimental e sinestésica que canta as contradições de uma existência repartida entre os amores venais e a fantasia estelar e exótica, a indignação causada pelas injustiças sociais e o pessimismo, ora negro ora afectadamente cínico e positivista" (Dic.da Lit.Port.).

Escreve outras obras importantes como " A Mulher de Luto" (depois da sua viagem a Madrid em 1878, por ocasião do casamente de Afonso XII) - 1902 -; "A Fome de Camões" e "A Morte de Bocage" (aquando do centenário épico Nacional, em 1881. Reflecte nelas sobre o destino fatal do poeta de missão, com que ele próprio se identificava); no ano seguinte os panfletos poéticos "A Traição" e "O Herege" (pondo em causa o trono na pessoa do rei D.Luís, as Instituições burguesas e a Igreja, gerou um verdadeiro escândalo literário e político); e na linha desta "poesia como voz da Revolução" (como o anunciara Antero de Quental nas Odes Modernas), os folhetins satíricos "A Orgia", "A Morte do Atleta", "A Noviça", e "O Remorso do Facínora"; "A História de Jesus" em 1883 (tendência agora calma e cristã) ; "Fim do Mundo" (volume com as suas poesias de combate) - 1899 -; "Mefistófele em Lisboa" e "Retratos Femininos" ( novas sátiras e quadros da vida urbana) - obras extraordinárias onde conflui o Ultra-Romantismo, satanismo byrónico, Parnasianismo e Simbolismo.

Depois da morte da mãe, que o deixa na miséria, converte-se ao Catolicismo, sendo recolhido em 1913 por uma pessoa piedosa. Dormia de casa em casa, ou nos bancos da praça pública, e chegou a ser apedrejado pelos garotos da rua, até que escritores como T.Pascoaes lançaram um apelo a seu favor, conseguindo que o Parlamento lhe votasse uma pensão anual, que foi o seu sustento até à morte, em 1921.

No que diz respeito à influência que exerceu em J.Gomes Ferreira, G.Leal indicou-lhe o caminho da dúvida relativamente à "Natureza sincera" de João de Deus, pela afirmação categórica de que ela, "insincera" e "impassível", mente, influenciando a temática Homem-Natureza/Impassibilidade da Natureza mecânica, que constituiu o eixo central da poesia de J.G.Ferreira.

Monday, June 2, 2008

TERRORISMO POÉTICO


TERRORISMO POÉTICO (TP)

Dançar de forma bizarra durante a noite inteira nos caixas eletrônicos dos banco. Apresentações pirotécnicas não autorizadas. Land-art2, peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas, em vez de roubar, deixe objetos Poético-Terroristas. Seqüestre alguém & o faça feliz.
Escolha alguém ao acaso & o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil & impressionante fortuna – digamos, 5 mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, essa pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário & talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.
Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível etc.
Fique nu para simbolizar algo.
Organize uma greve em sua escola ou trabalho em protesto por eles não satisfazerem a sua necessidade de indolência & beleza espiritual.
A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões do metrô & sóbrios monumentos públicos – a arte-TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques & restaurantes, arte-xerox sob o limpador de pára-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrunds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádio piratas. Cimento fresco…
A reação do público ou choque-estético produzido pelo TP tem de ser uma emoção menos tão forte quanto o terror – profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadísta – não importa se o TP é dirigido a apenas uma ou várias pessoas, se é “assinado” ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.
TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Pare que funcione, o TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas da guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez já tenham se tornado conhecidas & previsíveis demais.
Uma primorosa sedução praticada não apenas em busca da satisfação mútua, mas também como um ato consciente de uma vida deliberadamente bela – talvez isso seja o TP em seu alto grau. Os Terroristas-Poéticos comportam-se como um trapaceiro totalmente confiante cujo objetivo não é dinheiro, mas transformação.
Não faça TP Para outros artistas, faça-o para aquelas pessoas que não perceberão (pelo menos não imediatamente) que aquilo que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite politicagem, não argumente, não seja sentimental. Seja brutal, assuma riscos, vandalize apenas o que deve ser destruído, faça algo de que as crianças se lembrarão por toda a vida – mas não seja espontâneo a menos que a musa do TP tenha se apossado de você.
Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.