Saturday, May 8, 2010

UM POETA A MIJAR


O título da mais recente colectânea de A. Pedro Ribeiro enviou-me para uma tal de «poesia diurética», expressão usada por Luís Adriano Carlos na introdução a Alegria do Mal, reunião da obra poética de José Emílio-Nelson. Todavia, a poesia de A. Pedro Ribeiro, ainda que declaradamente abjeccionista, nada tem de diurético, procurando antes os caminhos do manifesto, de uma notória obstinação e de uma disfarçada abnegação. Um Poeta a Mijar, editado pela Corpos, surge depois de Saloon, um volume saído nas já clássicas Edições Mortas. Muita matéria os liga, até porque a forma descarnada como A. Pedro Ribeiro se expressa não dá lugar a grandes desvios, inflexões temáticas ou inovações de conjunto. O que é curioso notar é que estes poemas-manifesto, nessa sua forma descarnada, apresentam-se-nos também como um disfarce, o disfarce do poeta maldito autoproclamado, aquele que rejeita as cátedras não porque nada tenha que ver com elas mas porque nada quer ter que ver com as mesmas, o anónimo que opta por trabalhar apenas dois dias por semana para poder passar o resto do tempo a «pensar, criar, partir a loiça» e «observar discretamente / o balançar de ancas da vizinha». O tom não é tanto de galhofa como parece ser de insurreição, é um tom que se manifesta cruamente na consequência de retratos sociais e ilações morais fundamentadas na experiência dos dias, na vagabundagem intelectual, no estilo pouco fundamentado da gente mais comum: «a vida é uma merda». Entram o futebol, a televisão, o euromilhões, os casos políticos, a Internet, os telemóveis, a polícia, como marcos de uma vertigem social e de uma alienação colectiva que o poeta traz para a sua poesia num sentido meramente crítico e purgativo. A par destas expurgações, o sexo, o álcool, a música, aparecem enquanto metáforas vivas e vividas de uma vontade de escapar ao que se julga ser o fado alienante da maioria dos portugueses. A existir uma poesia pop, esta é uma poesia punk. E, tal como no género que os The Sex Pistols imortalizaram, a música é a da celebração da guerrilha, da vontade, do motim, do desvio enquanto caminho possível, enquanto fuga possível, enquanto atalho para uma vida menos morta ou, se quiserem, para uma morte mais vivida. Um poema mais longo, A Ilíada de Velvet, assim como os exercícios em prosa automática intitulados Borboletas, Ode a Jim Morrison, Satã Comeu a Cortesã e O Meu Reino Não É, ou mesmo os dois apontamentos micronarrativos Rock N’ Roll e A Valsa da Elsa, são textos paradigmáticos dessa postura que uns considerarão antipoética, outros julgarão gratuita, alguns tenderão a classificar de panfletária. Quanto a mim, prefiro ver nestes cantos um grito espontâneo, um ruído que nos aproxima daquela loucura que nos salva da normalidade, a atrofiante normalidade dos dias. Prefiro ver nestes cantos, e na voz escalavrada do poeta, um alívio instintivo. Este é, sem dúvida, o livro de um poeta a mijar, de um poeta a aliviar-se dos detritos agressivos que o enchem, incham, infectam no decorrer dos dias. Não é um livro simples como possa parecer. Nenhum livro é simples como parece. É um livro informal, onde a experiência aparece incorporada numa mescla de denúncia, teatro grotesco e eucaristia festivaleira. Não é mais um livro com um programa satírico, de escárnio e mal dizer, não é irónico nem deixa de o ser, não é diurético e, mesmo que possa relevar inclinação abjeccionista, não é de carimbar com ismos e de colocar nas prateleiras ao lado das centenas de livros classificados e classificáveis que diariamente chegam às livrarias. Porque este é, sem dúvida, o livro de Um Poeta a Mijar: «O poeta dirige-se à casa de banho e mija / Sim, porque os poetas também mijam e cagam / Não passam a vida a escrever versos e a apurá-los / Não passam a vida a fazer horas / E a aturar chatos no café / Não andam sempre a micar as meninas / para lhes oferecer poemas / Com fins libidinosos. // O poeta dirige-se à casa de banho e mija» (p. 36).

HENRIQUE MANUEL BENTO FIALHO

Friday, May 7, 2010

NADA MAIS

Cá estou de novo no Piolho. Desta vez a beber café no Piolho. Há uma gaja que me segue. Que venha ter comigo. Na Grécia a revolução rebenta. Tens de te manter alerta, companheiro. Tens de ir atrás da estrela. Chegou realmente a hora. Está a chegar. E tu no centro do mundo. Já não escreves para meia-dúzia de caramelos. Escreves para o mundo. Vais atrás do mundo. Ou o mundo anda atràs de ti. ÉS realmente o centro do universo. Mesmo que eles não saibam. This is the way, step inside. Mas ainda tens de ter cuidado. Ainda não está tudo nas tuas mãos. É o preço da revolução, como dizes. Só te faltam mais uns trocos. Estás a uns trocos de atingir o Nirvana. Ah! Ah! Ri-te, ó poeta! Ri-te na cara dela. Vai até ao fim. Em Berlim, em Merlin. Valha-te o Santo Graal. É por isso que ainda tens pena deles. Daqueles que bebem cerveja e comungam como tu. És a caneta. És aquilo que escreves. Não há aqui correctores nem professores. És inteiramente tu. E Nietzsche abandona o Piolho. Escreves como um doido. Vais até ao fim. É apenas isto. Não há mais conversa.
É o poeta que regressa. O homem dos bares e da noite. 21:00 H. Só tens cacau para mais um fino. De resto, estás nas mãos de Deus. A gaja nunca mais telefona. E tu aqui no pIOLHO. As gajas bebem coca pela palhinha. ÉS quem és. Nada mais.

Wednesday, May 5, 2010

JOAQUIM CASTRO CALDAS


Joaquim Castro Caldas


Foi o Joaquim Castro Caldas que me ensinou a dizer poesia. Foi o Joaquim Castro Caldas que me mostrou aquele jeito rebelde e sarcástico de lidar com as palavras. O Joaquim foi o mentor das noites de poesia no Pinguim quando uma multidão acorria àquele bar no Porto para ,simplesmente, ouvir e dizer poesia. O Joaquim foi um dos maiores divulgadores da poesia neste país. E era, também, um excelente poeta. Quando escrevo estas linhas o Joaquim se não está morto deverá estar às portas da morte. Agora é fácil culpar o álcool, as úlceras, a vida que o Joaquim levava. Agora toda a gente vai procurar os escritos que o Joaquim deixou por aí espalhados. O Joaquim Castro Caldas tinha um feitio difícil. Por vezes, parecia arrogante. Mas por detrás dessa aparente arrogância havia uma grande generosidade. A generosidade de quem viu o inferno mas também o céu. A obra do Joaquim não teve o reconhecimento que merecia. Porque o Joaquim era um verdadeiro poeta. Levou uma vida de poeta. Andou pelos bares, procurou a loucura. Não foi um desses versejadores da corte, bem comportadinhos, sempre à cata do prémio. Olha, Joaquim, espero que te safes desta. Senão vai para o céu. Vai para o céu, porque o mereces.

António Pedro Ribeiro
Acordar cedo e começar a trabalhar. Raramente faço isto. Mas sabe bem acordar de manhãzinha, dar umas voltas pelo quintal e reler "Ecce Homo" de Nietzsche. Não poderia estar melhor.



Estou em grande, dizem alguns. Mas é preciso que a fama ou a ilusão da fama não me suba à cabeça. É preciso manter uma certa postura sem nunca me converter ao sistema.

Tuesday, May 4, 2010


Saí do médico. Só tenho consulta daqui a três meses. Estou em Matosinhos. (...) Como diziam do Jim, estamos a caminho de nos tornarmos qualquer coisa de novo, qualquer coisa de diferente ainda em vida. Alguns dizem que temos uma amabilidade, uma afabilidade que já não se usa. Sabemos perfeitamente, agora sabêmo-lo perfeitamente, que o que conta não são as contas, o que conta é o que vai no espírito e no coração. O que conta é o homem que produz, que cria, que interroga, que questiona. O homem que procura o sentido da vida e que o encontra na mulher que passa. Pode até não ter o paleio e a conversa fácil de outros amigos, dos monopolizadores de conversas, mas sabe que é essa a verdade, sabe o que realmente interessa. Mas isto sem mulheres, sem as mulheres bonitas, sem as ancas a gingar é realmente uma seca.

O POETA É O QUE É

No local do crime
no "Labirintho"
ninguém fala ao poeta
e o poeta escreve
e o poeta bebe
o poeta nada mais
tem a dizer
não há Susana
nem Alexandra
nem Gotucha
só uns casais que entram
e o poeta bebe
nada lhe resta
senão beber
e ficar à mesa
a bebida faz parte
do seu trabalho
a bebida é
o seu trabalho
o poeta escreve
o poeta é louco,
minha mãe,
sabe umas coisas
que os outros
nunca experimentaram
entedia-se com
a rotina do mundo
detesta a vida
casa-trabalho-casa
tem de ir sempre
mais além
não se contenta
com uns versinhos bonitinhos
o poeta bebe
enquanto não rebenta
é essa a sua sina
vai ao fundo
escreve
procura-se
a si mesmo
não quer saber
de conversinhas
nem das palavrinhas
da conveniência
e da virtude
é doido
e assume que o é
não está na vossa onda
não se deixa levar
pelo canto da sereia
a não ser que a sereia
seja a mulher
que ele quer
não precisa sequer
do vosso paleio
da vossa treta imbecil
do tem que ser
dos chefes
dos governos
dos filhos da puta
o poeta é o que é
já viu o que tinha a ver
é a noite fora
no bar até ser dia
é a noite na praia
às voltas
ou no banco do jardim
o poeta é o que quer
ponto final.


Porto, Labirintho, 20.4.2010

Não estou como Nietzsche. Não dou grandes passeios nem me entrego totalmente à obra. Passo muito tempo na cama. Também não encontro nada de interessante para fazer. E não posso passar o dia a ler e a escrever.