Wednesday, October 20, 2010

SALOON


Segundo apontamento biobibliográfico reproduzido na sua mais recente recolha poética, A. Pedro Ribeiro nasceu no Porto em Maio de 68. Pode tratar-se de falsificação biográfica, mas não deixaria de ser congruente com a atitude do autor ter este nascido na data que marca as agitações revolucionárias francesas no período do governo de Charles de Gaulle. De facto, a poesia de A. Pedro Ribeiro ecoa, desses tempos, certos gestos e atitudes que, sem grande esforço, conseguimos entrosar na encruzilhada das esferas social e política. Saloon, o seu quinto título publicado, depois de Gritos. Murmúrios (1988), À Mesa do Homem Só. Estórias (2001), Sexo, Noitadas e Rock n’ Roll (2004) e Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro (2006), compõe-se de elementos com uma outra esfera, muito mais subjectiva, onde reconhecemos um erotismo de pendor lascivo e a ameaça permanente de uma loucura com contornos tão íntimos quão sociais. De resto, sendo o autor licenciado em sociologia, não admira que seja o corpo social, nomeadamente urbano, aquele que mais se reflecte nestes poemas. Saloon, como nos westerns antigos, é apenas o ponto de encontro, muitas vezes o cruzamento onde os acidentes acontecem, dessas esferas, aqui disparadas umas contra as outras, em versos que lembram a arte de grafitar. Frases curtas, incisivas, raramente dão lugar, nesta poesia, a outra coisa que não seja o grito, o berro, a vontade de partir pedra, de atirar certeiro contra uma paisagem devastadora e repugnantemente adúltera. Essa paisagem é a paisagem de um tempo, de uma sociedade, de um país, percorrido nos seus casebres de Vilar de Mouros a Braga, do Porto a Castro Daire, de Vila do conde ao Gerês, da Póvoa a Lagos. Por estes lugares, o poeta vai deixando um rastro de pó, facilmente reconhecível, aqui e acolá, nas evocações dos saloons do nosso tempo, ou seja, dos cafés e das esplanadas, mas também na invocação de personagens, que tanto podem ser o revisor da CP no poema que dá título ao livro, as mulheres que se cruzam com o salteador como a gente anónima de todos os dias: «A noite morre / Mas ainda há gente que ri / gente que se cruza e encontra e desencontra / E freaks a entoar cânticos futebolísticos» (p. 27). O Luso e o Piolho, históricos pontos de encontro na vida nocturna portuense, são apenas dois exemplos dos balcões onde foram bebidos e vomitados alguns dos versos desta colectânea de A. Pedro Ribeiro. É pois esta uma poesia nocturna, da rua, da deambulação, que não enjeita a gíria comum - «em cascos de rolha» (p. 9), «fechas-te em copas» (p. 35) – e o chavão popular - «meio mundo fode outro meio» (p. 12) – na sua réproba demanda. A ideia de poema como anátema talvez não seja descabida de todo para uma possível caracterização desta poesia, conquanto o anátema seja aqui entendido no plano de tal subjectividade que há pouco evocava. As palavras de ordem, o ímpeto político, sofrem no nosso tempo o isolamento das testemunhas. O poeta, em posição voyeurista, acaba transformando-se num mero observador, acusador, denunciante, de um mundo do qual se sente deslocado, no qual se sente desintegrado. A loucura, seja ela consequência do que for, é já solução para essa desintegração, como solução parecem ser os paraísos artificiais de que falavam Thomas de Quincey e Baudelaire. “Cicatrizar as angústias que induzem o espírito à rebelião”, parece ser também um fim último destes poemas arrumados sob o título Saloon, um título que anuncia a entrada num universo delirante, alucinatório, esquizofrénico, como era o universo dos saloons do Old West. É o nosso universo, não é outro, é o universo que todos poderão constatar caso queiram assumir os olhos do poeta, caso queriam arriscar a loucura, o delírio, que é o de estar do outro lado da barricada, do lado oposto àquele onde a esquizofrenia acontece como uma valor que se promove e dissemina sem que alguém se dê conta.

HENRIQUE MANUEL BENTO FIALHO

Monday, October 18, 2010

REACESO


REACESO

A noite
e sempre a noite

A cidade acesa
a mulher que provoca

O desejo

Saber que ainda
existes…

DELÍRIOS


Vir à "Motina" tomar café. Tudo começa aqui de novo. O café alimenta a mente, faz-me escrever. Há vários dias que não vou à cidade. A D. Arminda explica a confecção dos bolos à cliente. Depois faz-lhe a conta. A D. Arminda diz também que delira com o bolo-rei. Eu deliro com outras coisas. Mas hoje não é dia de delírios. É dia de tomar café e de escrever à mesa.

SOLITÁRIO

Aqui em Vilar do Pinheiro e em Vila Nova de Telha sou um solitário incorrigível. Alguns perguntam-me se sou escritor, se vivo disso. Outras exibem-se para mim, de vez em quando dirigem-me a palavra. Àparte isso, coço a cabeça. Avalio a produção do dia. Leio exaustivamente o "Jornal de Notícias".

Sunday, October 17, 2010

CARTA À MINHA MÃE

CARTA À MINHA MÃE

Sabes, mãe,
eles deram cabo do Homem
sabes, mãe,
houve um tempo em que fui à escola
houve um tempo em que até trabalhei
mas agora cansei-me, mãe,
não posso mais ficar passivo
não posso mais assistir sentado
eles estão a dar cabo de mim

Sabes, mãe,
estas coisas vêm da infância
eu observava as coisas
era talvez o mais inteligente, mãe
mas não intervinha
contentava-me com o meu mundo
com os meus personagens
mas agora o teatro é outro
envolvi-me com o mundo
casei-me com o mundo
e eles estão a dar cabo
do nosso mundo, mãe
destroem a natureza
viram a natureza contra nós

Até podes votar neles, mãe
mas sabes, mãe, eu não sou como eles
eu preocupo-me com os meus filhos
e paro como as outras mães

Sabes, mãe, essa merda dos negócios
e do dinheiro
não me diz nada
gasto-o em dois tempos
quando o tenho
são papéis e pedaços de metal
que se trocam
nada mais
mãe, estou farto dos discursos deles
na televisão
é a mim que eles querem destruir
querem-me mole, fraco, deprimido
mas desta vez não vão conseguir.

Mãe,
eu sou o Homem.

Friday, October 15, 2010

RICHARD C. RAMER OLD & RARE BOOKS

Recent Portuguese Publications

Bulletin 63
August 2008

Part XVII:
Poetry

141. RIBEIRO, António Pedro. Saloon. Porto: Edições Mortas, 2005. Colecção de Lacraus. 12°, orig. illus. wrps. 45 pp. ISBN: 972-8313-49-7. $25.00
The author was born in Porto, 1968. He has published at least two other volumes of poetry, and founded the review Aguasfurtadas.

SPABILABOS

O projecto "Spabilados – Teatro Hedonista" nasce das necessidades de renascimento. Morre duas vezes e nasce três. Pois muta, permuta, e elabora-se na metamorfose da densidade e energia. A permanência produz-se nas vísceras termodinâmicas. Comove-se. Posteriormente locomove-se.

É uma serpenteação no visionarismo da expressividade desagrilhoada. Logo, prometeica. Acesa às ignições provenientes das águas primordiais. No caos homérico. Um devir para vontades esclarecidas.

Faz e desfaz enquadramentos cénicos do indivíduo enquanto ele próprio. Cosmopolita na relação com o cosmos. Sapiências de Demócrito, "a pátria de uma alma boa é o mundo inteiro". Reconstrução de si. Escultura plural das simbioses dos pequenos universos. Sinestesia.

Insinua prazeres que se revestem de si mesmos. Fins neles próprios. Andar sem andas. Codificações à artificação no engrandecimento. Quando uma coisa é maior que si mesma. Ciclos não circulares. Espiralizações. Um terceiro eixo.

Assim se conduz pela grelha filosófica, logo universalizável. Hedonista. A potência de existir pela desreligiosidade. Pela despolitização. Os encontros conscienciais com a consciência, o eterno reencontro. Com amores em visitas. Destrezas canhotas. Ou a hexabicicleta de duas rodas de Jarry. E ultrapassar comboios.

Despir os invólucros. Pornologia, ou as artes de pôr a nú. Com posterior invólucro criado numa liberdade irredutível. Ou a reformulação da descoberta. Navegações argonáuticas em rumo. Sem evangelizações. Sem locais físicos externos de chegada. Discursos interiores. Pois parte e chega do corpo. No corpo, como cena de teatralidade do pensamento. Acção e comunicação. Reacção à estupidificação.

Desmaterialização do real e reconstrução onírica. Planos internos visíveis. Do esotérico ao exotérico. Sem plumas. Mas com asas. Anti-platonismo com deambulação da diogénica lanterna. Um Homem com penas não é uma galinha. Nem o contrário. Demónios artaudianos à superfície. Arte arquitectada à conceptualização dionisíaca.

"Pois eu já fui rapaz e fui donzela, fui planta, e ave, e um peixe mudo que sai das ondas." de Purificações, Empódecles de Agrigento

por bruno miguel resende

Thursday, October 14, 2010

PAREDES DE COURA (FODIDO DOS CORNOS)

As caras olham-te
E sentes-te em cima
As caras olham-te
E sentes-te em baixo
Os boatos correm
Foges das caras
Partes vidros
Intriga assassina
Ai! A minha vida

Os poetas malditos amam-te
Os outros ignoram-te
Dão cabo de ti
A mulher que amas
Fugiu para a Venezuela
Os polícias vigiam-te
Cospem na tua literatura
As outras adoram-na
Mas não te entendem

Chamam-te palhaço e não fazes caso
Dizem que o teu mestre era um bebedolas
Em Atenas
E não fazes caso
Dizem que és um desordeiro um alcoólico
E pedem-te “Borboletas”
Dizem que a tua mulher só te quer
Porque agora és uma estrela
O gerente persegue-te obcecado pelas tuas dívidas
Mas tu não dás troco
És realmente uma estrela mas continuas teso
Os vidreiros atrás de ti
E continuas teso

Defendes os guerrilheiros da Colômbia
E chamam-te canalha
Defendes os teus ideais e dão-te porrada
Apresentas o teu livro e dão-te patadas
Julgas-te o maior, dizes patacoadas
E cais bêbado na esquina
Vais ter com o caos e não sacas nada
Vais fornicar ao cais e espetam-te a faca
Vais à procura da luz e só encontras merda
Estás com alucinações e és alvo de chacota
Deves o cacau e apertam-te o cerco
És um animal de palco
E não consegues sair do transe
És uma puta do rock
E sobes aos céus até cair até à veia
Nunca mais vais saber se a plateia
Te ama ou te odeia

Ouves os aplausos
Mas estás fechado em casa
E as mulheres só aparecem
Quando andas agarrado à cena
Amam-te e armam-te ciladas
Provocam-te fazem-te enlouquecer no hotel
Com os orgasmos da gaja do quarto de cima
Depois acusam-te de tráfico de droga
Não sabes onde estás
Com quem estás
Onde vais
E escreves coisas supostamente geniais
Para agradar à populaça

Queres mulheres e elas não vêm
Queres mulheres e elas fogem
Do whisky, da maldição, da subversão,
Da vida que queres
Queres mulheres e elas caem
Querem filhos, casamentos, rotinas, obrigações
Queres mulheres e já não queres
Porque estás para lá
E andas fodido dos cornos
E só te apetece beber mais.

Wednesday, October 13, 2010

ÁS VOLTAS, SEM CHETA

ÀS VOLTAS, SEM CHETA



António Pedro Ribeiro



Velhos conhecidos a deambular pelas ruas de Braga. Velhos conhecidos meus a cumprir o dia, às voltas, sem cheta. Da "Brasileira" à Arcada, da Arcada à "Brasileira", às voltas, sem cheta.


Nos cafés já mal tolerados, às voltas, sem cheta. Por onde anda a dignidade humana, às voltas, sem cheta?


Eis o que o mercado dá, às voltas, sem cheta? Que sociedade é esta que nega o homem, que o atira para a valeta?


Quantos Sarkozis há por aí, quantos matam a vida, às voltas, sem cheta?


À procura de um canto para dormir, às voltas, sem cheta. Pela cidade à deriva, às voltas, sem cheta.


Quanto vales na Bolsa, às voltas, sem cheta?


Porque não te fizeste à vidinha, às voltas, sem cheta? Porque não te adaptaste à máquina, às voltas, sem cheta?


Quem fez este mundo, às voltas, sem cheta?


Quem és tu hoje, às voltas, sem cheta?

www.freezone.pt

Saturday, October 2, 2010

A GORETI NO BIG BEN

ESPERO POR TI, GORETI


Espero por ti, Goreti
às quatro da manhã no "Big Ben"
espero por ti, Goreti
apesar de saber que estás na Madeira
a mares de mim
a mares das àguas
que bebo aqui
espero por ti, Goreti
no meio da fala da puta
da puta que fala
e dos chulos que se amontoam
em redor
espero por ti, Goreti
apesar de ter gasto o cacau todo
nos bares das redondezas
depois da entrevista na Rádio Casa Viva
depois da Idade Média
no "Armazém do Chá"
e dos outros sítios da moda
onde um gajo se sente como o Lou Reed
Take a walk on the wild side
espero por ti, Goreti
porque hoje até vi o Santo Graal
no "Piolho"
e dei dois euros ao mendigo
espero por ti, Goreti
no meio dos rufias da noite
após uma hora de conversa
com o Zé Pacheco
o escultor
que me passou três euros para a mão
sem eu lhe pedir nada
e a puta que fala
e não se cala
já as conheces há 2000 anos
e continuas a andar
a entrar nas casas
como entravas
e a puta que beija
e a puta que vai
e o empregado
que fala nos quintos do inferno
e até já me sinto nas minhas quintas
e até já volto a pedir cerveja
sou a estrela
e a barriga enche
e o Adriano goza
e o marquês de Sade
já ninguém se escandaliza
mal sabem elas
as palavras do divino
espero por ti, Goreti
e ando a estoirar o dinheiro
do Campo Alegre
assim
como se fosse nada
e a puta fala
e a outra puta não vem
não há aqui
estrelas do rock n' roll
só o gajo
a escrever à mesa
e o pessoal que fala
como a puta
de boina
brasileira
que bebe
e já não saca
mas dá lições de moral
à clientela
e que se vai
e nos deixa sós
com umas estranjas insossas
espero por ti, Goreti
e inauguro o caderno
e sinto-me como Allen Ginsberg
sabes, tens razão
há pessoas que não valem mesmo nada
e o Socrates hoje até foi derrotado
na Assembleia da República
e os gajos só falam
da pen e das gigas
e já não há putas
nem travestis
para animar esta merda

resta-me esperar pelo metro
e aturar estes matrecos
que não dizem
a ponta de um corno
espero por ti, Goreti
e o "Big Ben" já não é
o que era
por todo o lado
me tratam
como ao príncipe da Baviera
já não sou o que era
quando armava confusões
e não tinha um tostão
amanhã não vou sair da aldeia
~vou dar dinheiro aos de lá
sempre é a terra do meu pai
não me fica mal
o pessoal junta-se todo nos sítios
e os outros ficam ás moscas
é tudo uma questão de moda
top-model
como tu poderias ser
e entram os freaks
e pedem sanduíches
e o rock n' roll rola
e telefonei a horas á minha mãe
agora durmo com máscara
por causa da apneia
vai-te deitar, mãe
não fiques á minha espera
que eu hoje estou no rock
andei a fazer observação participante
como se dizia na Faculdade
e já só tenho vontade
de continuar a escrever
espero por ti, Goreti
e já não há putas
no "Big Ben"
anda tudo bem comportadinho
a falar de cabos
e playstations
como o Rocha
que apareceu no "Orfeuzinho"
e me pagou o cafézinho
não suporta o Red e o Dick
mas eu não tenho preconceitos
aprendi com o Nietzsche
já o disse na entevista
espero por ti, Goreti
e a mulher e a namorada
está entretida com o computador
enquanto o gajo olha para a TVI
até parece que os gajos
me querem filmar
sou uma estrela
há gajos que me reconhecem
mas as gajas não me dão
beijos na boca
deve ser por causa da barriga
é por causa dos fritos
e do pão
a cerveja já não conta
até a deito fora
a partir de certa hora
é veneno
mas juro que no "Piolho"
bebi o Graal
estava a micar uma gaja
que estava a escrever
eu conheço-a
não sei de onde
até ensaiei em Vila do Conde
na praia
onde há gajos a pescar
não sei o quê
vá-se lá perceber o homem

Espero por ti, Goreti
e ainda há gajos que dão
as boas noites
a toda a gente
que se armam
em presidente
e o Sócrates
e o Vara
e o Godinho
são todos um docinho
deviam ir todos presos
apesar do Reinaldo
e dos indefesos
ide todos dar uma volta
o homem controla
e ordena
e isto está uma bruta seca
espero por ti, Goreti
e vou ter de pedir mais cerveja
é mais forte do que eu
estes gajos fazem-me a cama
e só me pedem cartão
e eu vou até
ao fim do filão
este pessoal dos bares
desconhece o "Big Ben"
fica mesmo junto à estação
não há que enganar
está tudo fodido
mas é o que está a dar
espero por ti, Goreti
e aparecem gajas
para um gajo olhar
não são grande coisa
até vou mijar
espero por ti, Goreti
e até dou espectáculo
faço piruetas
equilibrismo
e até nem fui dançar
as putas falam comigo
mas eu já gastei o cacau
sou o maior
sou um carapau
espero por ti, Goreti
e nunca escrevi como hoje
se me tivesses ligado
era outra dose
espero por ti, Goreti,
não sou o Pablo Neruda
sou mais como o Ginsberg
levo tudo à bruta
espero por ti, Goreti
e esta merda não muda
um gajo bem diz umas coisas
mas a gaja é surda
espero por ti, Goreti
e não se passa nada
o cabrão fala, fala
e nunca mais é
de madrugada
o gerente inteligente
mas põe-me doente
e anda tudo com
um sorriso "pepsodent"
espero por ti, Goreti
e isto nunca mais acaba
o relógio não avança
e não se passa nada
ninguém fala do Sócrates
nem do Vara
anda tudo de tola avariada
espero por ti, Goreti
e sabes que te espero
e sabes que te quero
até ao fim.


Porto, "Big Ben", Novembro de 2009