Mas o poema sobre o qual eu gostaria de me deter é o intitulado "A Ilíada no Velvet" , talvez o melhor do livro e onde se misturam aquelas que me parecem ser as três linhas de força da poesia de A. Pedro Ribeiro: a iconoclasta (que elege como alvos a sociedade em geral, a política, a religião, os costumes, o senso comum, etc), a surrealizante, de celebração dionisíaca, que eu prefiro chamar de xamanística, dado o cenário mental de "trip" e o ascendente da geração "beat" e, finalmente, a veia irónica, da auto-irrisão implacável, que, quanto a mim, está na base dos melhores poemas deste livro, como já acontecia no anterior "Saloon". Falo dos poemas nos quais um olhar gasto, estóico e céptico faz as vezes de um holofote discreto que, a partir da extremidade de um balcão ou de uma mesa de café, vai incidindo no vai-vem dos fregueses que entram e saem, e se sentam e falam e levantam, vai-vém que se cruza e mistura até à indistinção com o estado mental do sujeito que faz uma análise desassombrada de si mesmo: não só da sua condição existencial mas também, ou sobretudo, da sua condição de poeta e até do seu contexto físico, corpóreo, o das necessidades básicas- onde se inclui a financeira: "Ao que parece, nada se vai passar até às 6/ nem tão pouco conversas com putas, travestis/ e amigos das putas que nos oferecem poemas/ e são membros da Junta de Freguesia/ Só putos e tédio/ não há rock nada rola/ e a menina bonita não está/ não vai estar mais/ Deveria ter ido para casa/- dizem a moral e o bom senso".
É também nesta família de poemas que se revela melhor o enorme talento irónico de A. Pedro Ribeiro, capaz de uma ironia de "Caranguejola", como a de Sá-Carneiro, sossegada à superfície, até terna, por vezes, mas escondendo, no fundo, uma extrema violência e revolta.
Rui Lage
Saturday, August 29, 2009
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