Sunday, August 31, 2008

JOAQUIM CASTRO CALDAS (1956-2008)


Vão-se embora palavras
Deixem-me ali à esquina
Amem e façam-se à vida
Não temam a morte voem
Sabem que são minhas
Para lá dessas fronteiras
Que desapertam as rimas
Com poemas ou bombas
Fucem apanhem boleias
Só vos deixei preparadas
Para os cornos dos poetas

Mágoa das Pedras, Joaquim Castro Caldas

DIÁRIO

Uma vez mais não consegui dormir. Vim ao café comer. A Gotucha ficou na cama.EStá sol mas nada garante que não chova. A rádio passa Bob Marley. Estou a ficar sem cacau. O homem nunca mais traz a sandes. Só escrevo banalidades.

DIÁRIO


Não me apetece mais escrever sobre mim próprio. A Gotucha está agarrada à net. A chuva parou. O caderno ficou danificado mas resistiu. Os Jogos olímpicos passam na televisão. A China comanda. A Gotucha chama pelos Jills do meu amigo, agora famoso, Rui Manuel Amaral. A Gotucha tem mamas boas e diz que nunca vou ter sucesso se continuar a escrever sobre estas merdas. A Gotucha ri. Está-se bem aqui em Braga. Os lixeiros recolhem o lixo e fazem basqueiro. A Gotucha continua a falar com um gajo qualquer na net e volta a rir-se. Ao menos não está de mau feitio como hoje de tarde. Não pára de fumar. Ri continuamente. Diverte-se. Diz que o gajo é simpático e diz que me limito a vomitar o quotidiano. Que não tenho imaginação. O sorriso da gotucha transmite paz. Há 16 anos que estou apaixonado pela Gotucha mas ela não me liga. A TV transmite ginástica dos Jogos Olímpicos. A Gotucha não pára de rir. Parece feliz. Já não se queixa do mundo. Diz que está cheia de comichão e manda-me catar. A Gotucha anda à volta com os bonequinhos. O comentador do costume não está. A Gotucha continua a teclar. COço o pé. A Gotucha tem umas pernas boas e pede para a deixar em paz. A Gotucha disse "foda-se". As meninas bonitas como a gotucha não dizem palavrões nem cagam. O ginasta faz uma pirueta e um mortal. A Gotucha volta a rir-se. Já há muito tempo que não a via tão risonha. Os chinocas olham. Sucedem-se as piruetas e os mortais. A Gotucha diz que não é chinoca. Só se vêem chinocas e cristos invertidos. A Gotucha não pára de teclar. saiu-lhe mais um maluco na rifa. este diz que a quer engravidar. A Gotucha dá-lhe bola. acho que nunca escrevi tanto como hoje. A Gotucha diz que eu sou um chato. Está toda a gente entusiasmada- diz o comentador. A Gotucha diz que não pode mais. Finalmente tenho sono. O Carlos vai ficar contente comigo. Falta-me a cerveja.

Braga, 11 Agosto de 2008.

JOAQUIM CASTRO CALDAS

JOAQUIM CASTRO CALDAS



António Pedro Ribeiro



Foi o Joaquim Castro Caldas que me ensinou a dizer poesia. Foi o Joaquim Castro Caldas que me mostrou aquele jeito rebelde e sarcástico de lidar com as palavras. O Joaquim foi o mentor das noites de poesia no Pinguim quando uma multidão acorria àquele bar no Porto para ,simplesmente, ouvir e dizer poesia. O Joaquim foi um dos maiores divulgadores da poesia neste país. E era, também, um excelente poeta. Quando escrevo estas linhas o Joaquim se não está morto deverá estar às portas da morte. Agora é fácil culpar o álcool, as úlceras, a vida que o Joaquim levava. Agora toda a gente vai procurar os escritos que o Joaquim deixou por aí espalhados.

O Joaquim Castro Caldas tinha um feitio difícil. Por vezes, parecia arrogante. Mas por detrás dessa aparente arrogância havia uma grande generosidade. A generosidade de quem viu o inferno mas também o céu.

A obra do Joaquim não teve o reconhecimento que merecia. Porque o Joaquim era um verdadeiro poeta. Levou uma vida de poeta. Andou pelos bares, procurou a loucura. Não foi um desses versejadores da corte, bem comportadinhos, sempre à cata do prémio. Olha, Joaquim, espero que te safes desta. Senão vai para o céu. Vai para o céu, porque o mereces.

Saturday, August 30, 2008

O PRINCÍPIO DO MUNDO


O princípio do mundo
as montanhas
o rio
não penso em mim
estava farto de pensar em mim
há um mundo que existe sem mim
um mundo sem trocos e sem trocas.

Chelo/Cabril, 23.8.2008

MAR


Estou junto ao mar
as ondas lambem a praia
era bom que fosse sempre assim
um mundo sem dinheiro
só as ondas a bater nas rochas
e a natureza tal como ela é.

Friday, August 29, 2008

DEUS


DEUS

Deus caminha em mim na cidade de Braga
ao final da tarde
Deus observa as adolescentes
num café de Braga ao final da tarde
Deus olha para a TV num café de Braga
ao final da tarde

Deus, que é Dionisos, ama Braga,
apesar do Mesquita e dos padrecas
Deus bebe cerveja
e pensa na Katiucha
Deus não entra nas igrejas
Deus quer bacanais, festas
Deus ama-te
Deus sou eu
Deus é Dionisos
Deus olha para as mulheres
e deseja-as
Deus quer filhos
Deus quer descendência
Deus não quer sacrifícios
Deus não quer missas
Deus não grama o Papa
Deus é doido
Deus manda foder as religiões
Deus quer diversão
Deus tem coração
Deus cai quando é rejeitado
Deus tem poder mas não pode tudo
Deus gosta de futebol
Deus curte rock n' roll
Deus está vivo e é o homem superior,
o espírito livre de Nietzsche
Deus é um criador
Deus adoece
Deus enlouquece
Deus canta e dança
Deus é irmão de Satã
Deus é um poeta
Deus está farto de patetas
e de versejadores da corte
Deus não pode com capitalistas
Deus quer incendiar o mercado
Deus caga nos moralistas
Deus sou eu
Deus podes ser tu
Deus não é merceeiro
Deus não come dinheiro
Deus entra nas vossas cabeças
Deus põe as gajas possessas
Deus sobe ao palco
Deus é humano
Deus vai do Céu ao Inferno
Deus vem se tu o chamares
Deus está em todos os lugares
Deus é o vinho
Deus é o caminho
Deus é Amor
Deus esmaga o mercador
Deus é tudo o que quero
Deus é Nero
Deus é cruel
Deus é mel
Deus é o poema divino
Deus não grama cretinos
Deus és tu
Deus sou eu.

Braga, 29.12.2007

WHISKY


Bebo e ardo
o whisky trepa
desbrava o caminho
que conduz a mim mesmo

Não há volta a dar-lhe
é a droga
a minha droga
é aqui que quero estar
xamã das montanhas
à cata da tribo

Sinal ancestral
a rainha distingue a linguagem dos sonhos
o rugido do leão protege-a das serpentes

as crianças regressam à floresta

and the lion takes the queen

Bravo companheiro da Escócia
desde 1698
meu Deus
meu Senhor
contigo navego os meandros do espírito
contigo me afasto da poesia menor

Lembras-te dos castelos que conquistámos?
Lembras-te dos reinos que foram nossos?

Quanto mais ardes mais te amo,
dama de espadas
as tuas águas trazem o infinito
e fazem de mim um rei

E agora sabei
que não me apetece descer à realidade
útil mesquinha funcional
sabei que o meu deus me puxa para cima
que me eleva até às portas da percepção
e nunca mais me vai deixar cair
o ouro está aqui
no cálice
na estrada que conduz a mim mesmo
na estrada do excesso
e da sabedoria

Ficai entretidos aí em baixo
com o vosso suor e as vossas lágrimas
com as vossas casas e os vossos carros
com as vossas notas e as vossas guerras
com a vossa insignificância
estou a beber com o meu deus.

Chelo, Cabril, Gerês, 23/24.8.2008

Tuesday, August 26, 2008

O AMOR E O DINHEIRO

Olhai o que faço do vosso deus
olhai o que faço do vosso deus
olhai o que faço do vosso deus
brinco com ele
gozo com ele
faço-o saltitar
faço-o em pedacinhos
desfaço-lhe os altares
e os templos
expulso os seus vendilhões
empalo os seus reis

e, no entanto,
estou a falar do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor

Braga, 26.8.2oo8
Queremos o mundo e exigimo-lo agora
queremos o mundo e exigimo-lo agora
queremos o mundo e exigimo-lo agora
a seguir ao caos vem sempre a ordem
a seguir à ordem vem sempre o caos
é do caos que nasce a harmonia
é do caos que nasce a harmonia

ÀS VOLTAS

andei pelo centro de Braga
e tive pensamentos de trepar pelas paredes
a verdade é que a maior parte das pessoas
não me diz nada que eu já não saiba

está um gajo na adolescência
e até gosta de umas músicas foleiras
depois até vai ver os filmes do Rambo
aquela estória dos bons e dos maus
dos índios e dos cowboys
mas depois conhecemos umas pessoas
que nos dizem umas coisas, que nos
emprestam uns discos e uns vídeos
e mais tarde começamos a ler certos livros
e a coisa dá uma volta
e depois continua a dar voltas
e tantas voltas dás até hoje
que isto anda sempre à volta
- mas, olha, antes andar às voltas
do que estar sempre parado
e depois as ideias que vêm do céu
e a imortalidade da alma
e depois vem o Platão
que até tinha razão nessa merda
e até chegas à conclusão
que deves continuar a andar às voltas.

Monday, August 25, 2008

entre a merda e o ouro, sempre abaixo, sempre acima. Nunca ficar a meio. Eis a minha sina.

Thursday, August 21, 2008

SURREALISMO NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"Quanto mais surreal, mais verdadeiro", eis o mote para um debate que juntou, no Café Literário da Feira, escritores da estirpe de Pedro Ribeiro, Daniel Maia-Pinto, João Gesta e João Habitualmente. Adolfo Luxúria Canibal vocalista e letrista dos Mão Morta moderou, competindo ao actor Isaque Ferreira a leitura de textos. Obscenos? Vade-retro! Antes, a jocosidade na peanha para exorcizar preconceitos.

O pretexto, disseram os intervenientes, é dar combate ao sistema. Com ironia, sarcasmo, arestas de subtileza. Numa breve incursão histórica, falou-se, inclusivamente, das cantigas de escárnio e de maldizer, com penadas de surrealismo.

Concordaram que o "terrorismo poético" denuncia a sociedade contemporânea. Vai daí, a Declaração de Amor ao primeiro-ministro, obra cujo autor pretende ver Sócrates protagonista de um filme porno. Até porque, disse outro participante , o capitalismo está em todo o lado, Lisboa, Caxinas, Vilar de Mouros, ilustrou. E também na feira do livro. A forma de derrotar o flagelo "é a via do surrealismo". O que existe, considerou-se, "não presta! É tédio, morte!".

DANIEL JONAS

Tudo é breve: um deus,
o plâncton, o ferro.

O meu poema é uma miséria
comparado com o teu nome
no edital.

A voragem dos grandes estúdios,
a saída dos operários da fábrica,
a grande depressão
dos trinta anos:

Eu bebo
porque se não beber
não conduzo
este corpo a casa.

Daniel Jonas

Fonte: http://insustentavelmente.blogspot.com/2007/12/uma-saison-dos-infernos.html

O POEMA-BOMBA

Quero um poema-bomba
um poema que abale as consciências
que rebente com os preconceitos
que rasgue a vidinha ao meio
um poema-raiva para toda
a eternidade.

Wednesday, August 20, 2008

Volto a casa. A Gotucha ainda não chegou. Linda partida ela me pregou. Desde que seja feliz. Agora estou num bar na rua D. Pedro V. Completamente encharcado. O que vale é que me dá para a escrita. Se não fosse isso e a leitura já tinha apodrecido de vez. Contrariamente aos outros gajos, não tenho multibanco nem conta no banco. Só tenho o que tenho e é pouco. Cada vez menos. Se a chuva dá cabo do caderno estou fodido. Pronto, lá voltei eu a escrever nos bares ao sabor da cerveja. Não é bem uma atitude petulante, exibicionista. E se não estivesse a chover a coisa até era interessante. Ai, Gotucha, Gotucha! Mas não me posso lamentar. Ando a atingir o ouro. Não há aí uma gaja para mim? Uma gaja que me faça um broche? O "Satíricon o livro que estou a ler, que é da Fernanda, está encharcado. Mas a fotografia da Fernanda, tirada pela Gotucha, está intacta. Espero que não se estrague. Bebo e nada se passa. Bebo e a preta olha para mim. Não era aqui que deveria estar. Mas em Roma, Atenas. Até que nem te importavas de ter uns escravos, hein, ó Dionisos? Olha que isto contraria as tuas ideias anarquistas. Que se foda! Desde que o barman me sirva. O que é certo é que um gajo vai a um sítio e tem de consumir. Também se nada
consumisse sentia-me mal. Ai, Paulinha, Paulinha, porque não apareces? Se aparecesses era o máximo, a celebração, a fiesta. Por onde andas? Não posso beber mais hoje. Não porque não me apeteça mas porque não posso gastar mais dinheiro. Morte ao dinheiro! E as gajas ficam. A questão é que a cerveja acabou. E quando a cerveja vai também se vai a escrita. Deveria estar a escrever poemas sublimes, poemas do fundo da alma. Como Rilke, como Pablo Neruda. Em vez disso vem esta merda. Esta merda que não é poema nem romance. Se fosse romance ganhava uns trocos . Quando eu estiver morto talvez tenha sucesso. Espirro. Sinto frio na t-shirt. Em pleno Agosto. Acabou-se a cerveja. Escrevo. Queimo os últimos cartuchos. As larvas percorrem o cérebroh. Amanhã vou passar o dia a café. A Gotucha chateia-se se fico dependente dela. O que é certo é que hoje escrevi como o caralho. Graças à Gotucha e à ausência dela. A Gotucha só precisa de amor. Pronto, continuo a escrever sobre mim. O Carlos do "Púcaros" não vai gostar. MAS antes escrever do que ficar apático. Antes escrever do que ficar lunático. ANTES escrever no meio desta merda. Antes escrever e apan

Thursday, August 14, 2008

DIÁRIO

O caderno de trabalho molhado pela chuva. Sim, de trabalho. Este é o meu trabalho. Bem sei que ele não é produtivo para o país. Bem sei que não acrescenta uns décimos ao PIB. Bem sei que ele não agrada ao primeiro-ministro. Bem sei que ele não produz lucros para os capitalistas. Mas que me importa? Não. estou ao serviço do governo nem dos capitalistas. Aliás, queria dar cabo deles se fosse possível. E a gaja das mamas saiu. Merda para as gajas e para as mamas! O café vai-se esvaziando. Para escrever é preciso ler. E eu tenho lido muito. Isso coloca-me numa posição privilegiada. Não estou aqui a desperdiçar munições. É o que vem à cabeça e ao coração. Não digo baboseiras como os futebolistas. Não digo coisas que toda a gente sabe. E mantenho o controle perante o gerente do café. Não vou sair daqui bêbado. Não vou sair daqui a cambalear. Tenho algo de sublime. Algo de sublime. Percebes, Gotucha? Sou o rocker e o poeta. Sou o gajo que elas querem. Posso não ter dinheiro mas tenho o espírito. Sou Dyonisos. Gozo com esta merda toda. Com todos os imbecis que estão cá dentro. Faço deles o que quero. Reduzo-os a caricaturas. "O homem superior é aquele que não tem preconceitos", escreveu Nietzsche. Rio-me das vossas fraquezas. "Sou o Rei Lagarto, sou todo-poderoso"- Jim Morrison. Eu venho do Jim, eu venho de Nietzsche.Não sei se isto algum dia será publicado. Mas se for talvez mude o mundo. A revolução está na minha cabeça. Não tenho que ser modesto, não tenho de ser ponderado. Em visões senti o poder. Senti o poder dos céus, o poder de marchar sobre Lisboa. Mas depois ouço a voz do mundo. Como se o meu pai viesse falar comigo. E fico sensível. E sinto ternura pela Humanidade. E sinto ternura por ti. E desço ao café. E sinto ternura por esta gente. E o café está quase deserto. E a Gotucha não vem. Mudar o mundo. Mudá-lo a fundo. Anarquicamente, caoticamente. Escrevi isto aos 19 anos. E agora, 21 anos passados, sinto-me um deus. Um deus sem dinheiro e sem trabalho. Mas será que os deuses precisam de dinheiro e de trabalho? Como dizia o Jim- só quero que vocês se amem e dancem e celebrem. Não são precisas manifestações nem revoluções.

Braga, 11 de Agosto de 2008.

Wednesday, August 13, 2008

O contacto da Joana enviou-lhe o pénis pela net.
A chuva bate nos cornos
e é Agosto
um sítio onde me abrigar
os cafés das redondezas
têm pouco interesse
uns cus ao balcão
para aguçar o apetite
pouco mais
sempre as mesmas caras
sempre os mesmos cus
e uma miúda
adivinham-se as mamas

a vida feita
monótona
dos burgueses
dos pequeno-burgueses
e eu armado em estrela
prossigo a bebida
já não tenho a banda
para estoirar
para descarregar as energias
resta-me a poesia.

Saturday, August 9, 2008

AS BACANTES E O AMOR LOUCO


AS BACANTES E O AMOR LOUCO

António Pedro Ribeiro

"Não fazemos mais do que amar a terra e, através da mulher, a terra retribui esse amor amando-nos", escreveu o fundador do movimento surrealista, André Breton. E, de facto, ao amarmos a terra amamos também a mulher, porque a mulher está muito mais próxima da terra, da natureza, do "Uno Primordial" do que o homem. E não é só a questão da maternidade a marcar a diferença. Basta observar os cabelos, os gritos e o riso das mulheres: são muito mais loucos, mais primitivos, mais selvagens, mais libertos. F. Nietzsche ("Para Além do Bem e do Mal") descreve magistralmente as mulheres: "o que na mulher inspira o respeito e, com frequência, o receio é a sua natureza mais natural do que a do homem, a sua leveza felina e astuta, a sua garra de tigre-fêmea, sob a luva de veludo, a ingenuidade do seu egoísmo, a sua irredutibilidade e a sua selvajaria intrínseca, o carácter incompreensível, desmesurado e volúvel dos seus desejos e virtudes". E Breton acrescenta em "O Amor Louco": "A dama de espadas é mais bela que a dama de copas".
Apesar de a sociedade mercantilista de hoje nos arrastar para o calculismo, para o cinismo, para a competição, para a eficácia, para a submissão, continuam a existir comportamentos predominantemente instintivos e intuitivos nas mulheres (ou, pelo menos, na maioria delas) que para nós, homens, parecem incompreensíveis mas que, ao mesmo tempo, nos fascinam e enfeitiçam. Só alguns homens- os artistas/criadores dionisíacos e os xamãs/feiticeiros índios conseguem ser instintivos, "irracionais" e primitivos como as mulheres e os animais. Aliás, é essa a sua benção e a sua tragédia. O próprio Dionisos se fazia passar por mulher para atrair as mulheres da cidade para a montanha, onde se convertiam em Bacantes que bebiam, dançavam, cantavam e dançavam e celebravam o deus do prazer e da embriaguez. Há muitos pontos de contacto entre os bacanais, os rituais xamânicos e alguns concertos rock dos nossos dias. Há uma atmosfera de celebração, de transe, de ritual mítico e primitivo comum às preces das bacantes, ao transe desmesurado do xamã que entra em contacto com os deuses e com os espíritos e ao vocalista/"frontman"/actor/ animal de palco que veste a pele do xamã e do próprio Dionisos- Jim Morrison, Robert Plant, Ian Curtis, Mick Jagger, Iggy Pop, David Bowie, Peter Murphy, são alguns dos melhores exemplos. Essa postura libertária/libertina pressupõe a ultrapassagem dos limites e da moral dominante, numa viagem que vai até à loucura e sempre que surge, através dos séculos, incomoda os poderes vigente que tentam, a todo o custo, afastá-la do cidadão comum ou abafá-la, o que já tem conseguido, mas nunca totalmente, já que a tensão dionisíaca e o "uno primordial" são intemporais e acabam sempre por libertar-se graças a algumas almas livres e malditas e às novas bacantes que despontam.
Para os filhos de Dionisos e para as mulheres não reprimidas, a liberdade e o amor só podem ser loucos. É por isso que Breton proclama: "Desejo-vos que sejais loucamente amada!" ("O Amor louco"). Léo Ferré acrescenta: "o amor é um dos aspectos que a divindade assume...tal como a música!" e Bizet, na sua "Carmen" corrobora: "O amor é um pássaro rebelde que ninguém pode aprisionar". Os grandes poetas: Homero, Shakespeare, Camões, Nietzsche, Sófocles, Rimbaud, Baudelaire, Breton, Walt Whitman, William Blake, John Milton, Holderlin, Artaud, Aragon, Sade, Cesariny, Herberto Hélder, Pessoa, Mário de Sá-Carneiro têm de ser também magos e, portanto, loucos, naturais e primitivos, daí que se sintam mais próximos das mulheres.

SANGUE DE LOIRA


SANGUE DE LOIRA

A loira a passear a rata pelas mesas
e tu, às compras, em Barcelona
A loira a comer cachorros
e tu nas Ramblas
a dançar sobre o abismo
A loira com o Cristo vermelho
nas mamas
e tu, no vidro, a mamar cervejas.

A. Pedro Ribeiro, in "Café Paraíso", inédito

Thursday, August 7, 2008

SANGUE EM DIRECTO


SANGUE EM DIRECTO

Ao Adolfo Luxúria Canibal

Assalto a banco em Lisboa com reféns
armas apontadas à cabeça
as cãmaras apontadas da televisão

jornalistas patéticos
um balázio nos cornos
a polícia é uma delícia
é a sociedade-espectáculo
aqui a tens
nua e crua
tiros e sangue
gritos
o far west
em directo para a televisão
e tu assistes
vibras
bates palmas
em directo para a televisão

sangue em directo
sangue em directo
sangue em directo

MACEDO E SALMONELAS


CANDIDATURA DO PARTIDO SURREALISTA SITUACIONISTA LIBERTÁRIO À CÂMARA DA PÓVOA



O Partido Surrealista Situacionista Libertário e a Frente Guevarista Libertária decidiram apoiar a candidatura do camarada António Pedro Ribeiro à Câmara da Póvoa de Varzim em solidariedade com os blogues povoaonline e povoaoffline, por considerar que Macedo Vieira e a sua equipa querem instaurar um regime semi-fascista na Póvoa com estátuas de majores fascistas (Major Mota) e com o silenciamento de toda a crítica, além de gestão duvidosa. Por considerar ainda que os partidos institucionais da esquerda à direita fazem o jogo do capitalismo, uns mais, outros menos, o PSSL/FGL apresenta-se em lista própria, anarquista, sem chefes nem controleiros. Porque queremos um mundo sem dinheiro e o céu na terra, agora!



Póvoa de Varzim, 7 de Agosto de 2008,



Com os melhores cumprimentos,

Pelo PSSL/FGL

António Pedro Ribeiro

César Taíbo

Joana Dias

tel. 965045714

http://tripnaarcada.blogspot.com

http://xamachama.blogspot.com

http://partido-surrealista.blogspot.com

www.myspace.com/manacalorica

choras
chupas-me
e mostras-me o amor
choras
curas-me
e mostras-me o amor

Wednesday, August 6, 2008

DA CLÁUDIA SOUSA DIAS NA ÓRGIA LITERÁRIA


Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro, A. Pedro Ribeiro
por Claudia Sousa Dias a 1.8.08
Tendo nascido no Porto, em 1968, A. Pedro Ribeiro vive actualmente em Vila do Conde.



Num acto de protesto contra os valores preconizados pela sociedade de consumo, marcada pelo materialismo e pela superficialidade, o autor decide anunciar a sua candidatura à Presidência da república, em 2005, «para abanar consciências e reclamar lugar para a liberdade mais absoluta» (sic).

Antes da publicação da obra supracitada, em Julho de 2005, A. Pedro Ribeiro tinha também publicado o Manifesto dos 37 o qual se torna emblemático por definir os objectivos e o padrão de escrita de A. Pedro Ribeiro.

«Aos 37 anos José Mário Branco escreveu o FMI. Aos 37 anos apetece-me dizer com os situacionistas que nada queremos de um mundo no qual a garantia de não morrer de fome, se troca pelo risco de morrer de tédio (citando Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova).

«Apetece-me dizer com André Breton que a ideia da Revolução é a melhor e a mais eficaz na salvaguarda do indivíduo (in La Révolution Surrealiste nº 4). Apetece-me estar com a subversão. Com a crítica radical à ditadura do consumível, da mercadoria, do quantitativo, do défice. Apetece-me estar do lado da liberdade, da liberdade absoluta, contra a ilusão da liberdade de compra e venda, da sobrevivência, da “sobrevida” que substitui a vida, do quotidiano insuportável, do tédio.

«Apetece-me estar com os poetas malditos. Com Rimbaud, com Baudelaire, com Nietzsche, com Sade, com Lautréamont, a infernizar tudo quanto é direitinho, conforme as normas, castração.

«(…) Apetece-me dizer que acredito na poesia e no amor, como formas subversivas. Que acredito em actos provocatórios, em agitações espontâneas que ridicularizam o instituído, no terrorismo político. Que a criatividade é o último reduto da rebelião.»

As duas epígrafes, que servem de introdução ao livro, denunciam a orientação do conteúdo, onde é exposta a rapacidade de uma classe detentora do poder para a qual o homem figura apenas um agente de produção:

«Os valores do mercado, a rentabilidade, o lucro, a eficácia dominam por todo o lado e substituem tudo o resto. Orientam as decisões dos governos, dirigem o funcionamento das famílias, impõem-se na escola, reinam nos media. Uma pessoa só será admitida para ocupar um lugar na sociedade se estiver apta a produzir e a comprar.»

Subcomandante Marcos EZLN

E também que:

«Estamos num tempo dos relojoeiros. O imperativo económico converte cada homem num cronómetro vivo, com o sinal distintivo no punho.»

Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova

A provocação inteligente e calculada de A. Pedro Ribeiro que, amiúde, o aproxima da ousadia vulcânica de Mário Cesariny ou da deliciosa e oportuna inconveniência de Luiz Pacheco, está presente em quase todos os poemas da obra, sendo estas características especialmente notórias na "Ode ao sacrifício ou Manifesto Autárquico para a Póvoa de Varzim", onde se destaca um impressionante jogo de ideias, implícitas e explícitas, criado pelo violento contraste entre o discurso judaico-cristão dos primeiros quatro versos a colidir com um discurso frontalmente boémio, nos versos seguintes. Um verdadeiro xadrez de palavras e ideias a formar um autêntico vórtice verbal, cujo ritmo binário acentua o sarcasmo, eternamente presente na voz do Poeta.

A alternância entre o racional e o emocional coloca em evidência a ira de quem enxerga nos detentores de poder o expoente máximo da hipocrisia, de quem pretende fazer passar a mensagem de que se preocupa com as classes mais desfavorecidas, no sentido de conseguir o voto, e cujo verdadeiro rosto se manifesta no cinismo vampírico de quem suga o sangue dos mesmos eleitores – os quais como que formam uma casta à parte – até ficarem exangues, com cintos tão apertados (até ao último furo ou já com furos extras) como os espartilhos usados pelas mulheres até à primeiras décadas do século XX.

Senão vejamos:

O Presidente da República ama-nos
O primeiro-ministro sacrifica-se por nós
Sacrificai-vos vós também
E será vosso o reino dos céus

E continua…

O poeta Ulisses recebe o rendimento mínimo
Paga-me copos
E já não vende poemas nos cafés

…com a voz que denuncia como se calam as vozes dos poetas, com a esmola que lhes sacia o estômago, enquanto que aqueles que não se calam têm de continuar a vender os poemas pelos cafés para não morrer de fome.

O autor prossegue com a voz de trombeta do juízo final ao perseguir o objectivo de derrubar muros e silêncios de conveniências, ao vomitar palavras incómodas e ao acreditar na revelação da contradições de uma sociedade economicista, na qual coexistem fenómenos como o decretar da caça à pornografia na Internet com os lucrativos anúncios de prostituição, consentidos e perfeitamente legalizados na imprensa e na televisão. Em suma, trata-se de colocar a nu a prostituição dos estados e dos media. No lugar da Utopia, onde descrença no futuro prossegue a par da crença na religião da liberdade do Amor e do Prazer.

Pedro Ribeiro, um poeta ainda na semi-obscuridade, mas que já se afigura como o Dionysos da geração dos novos poetas.


por Claudia Sousa Dias

Etiquetas A. Pedro Ribeiro, Crítica

in http://orgialiteraria.com

O AMOR


os amigos dizem que eu só escrevo sobre mim
que eu só vomito poemas sobre mim
que ando com o ego inflamado
os amigos existem
tal como os bêbados e as flores
tal como os fofoqueiros pagos da tarde
tal como o Cristo e o amor
sim, o amor
que eu sinto por ti
o amor que eleva
o amor para lá dos políticos
o amor para lá dos partidos
sim, o amor
essa coisa
que me tira da merda
essa coisa
que queima como o whisky
essa coisa
que desarma
e me despe de vaidades
que vem ter comigo quando choras
que vem ter comigo quando ris
e me dizes para parar de beber
o amor
o amor
essa coisa
essa coisa
essa coisa...