Sunday, August 30, 2009

DO HOMEM QUE ESCREVE À MESA


Voltei aos dias
em que escrevo vários poemas
agora estou no jardim
e a "Vita" corre para mim
os pássaros cantam
os gatos andam por aí
a vida hoje não me parece intolerável,
caro Aragon,
apesar de ser tímido
e de não conseguir dirigir uma palavra
às beldades da "Cristina"
a não ser as indispensáveis
a pedir o café e a pagá-lo
também Nietzsche levava uma vida assim
raramente se dirigia ao cidadão comum
não me considero um génio
como Nietzsche
mas tenho a ambição
de chegar ao mundo
quero escrever aforismos,
tratados filosóficos,
quero ser um filósofo
mesmo não possuindo a erudição de Nietzsche
e de outros
as palavras saem-me assim
em verso
meio-poesia, meio-prosa
não sei o nome das árvores
nem das flores
não percebo nada de astronomia ou de física,
contrariamente ao meu pai,
mas sei que busco o conhecimento
quando escrevo estou à procura
de alguma coisa
de uma verdade
isto é muito mais
do que o homem sentado à mesa
é a vida
a própria vida
o instante que agarramos
o céu
o sol
as estrelas
o universo
tudo isso está aqui
no papel, na tinta, na caneta
no homem que escreve à mesa.

Vilar do Pinheiro, 18.8.2009

Saturday, August 29, 2009

A ILÍADA NO VELVET

Mas o poema sobre o qual eu gostaria de me deter é o intitulado "A Ilíada no Velvet" , talvez o melhor do livro e onde se misturam aquelas que me parecem ser as três linhas de força da poesia de A. Pedro Ribeiro: a iconoclasta (que elege como alvos a sociedade em geral, a política, a religião, os costumes, o senso comum, etc), a surrealizante, de celebração dionisíaca, que eu prefiro chamar de xamanística, dado o cenário mental de "trip" e o ascendente da geração "beat" e, finalmente, a veia irónica, da auto-irrisão implacável, que, quanto a mim, está na base dos melhores poemas deste livro, como já acontecia no anterior "Saloon". Falo dos poemas nos quais um olhar gasto, estóico e céptico faz as vezes de um holofote discreto que, a partir da extremidade de um balcão ou de uma mesa de café, vai incidindo no vai-vem dos fregueses que entram e saem, e se sentam e falam e levantam, vai-vém que se cruza e mistura até à indistinção com o estado mental do sujeito que faz uma análise desassombrada de si mesmo: não só da sua condição existencial mas também, ou sobretudo, da sua condição de poeta e até do seu contexto físico, corpóreo, o das necessidades básicas- onde se inclui a financeira: "Ao que parece, nada se vai passar até às 6/ nem tão pouco conversas com putas, travestis/ e amigos das putas que nos oferecem poemas/ e são membros da Junta de Freguesia/ Só putos e tédio/ não há rock nada rola/ e a menina bonita não está/ não vai estar mais/ Deveria ter ido para casa/- dizem a moral e o bom senso".
É também nesta família de poemas que se revela melhor o enorme talento irónico de A. Pedro Ribeiro, capaz de uma ironia de "Caranguejola", como a de Sá-Carneiro, sossegada à superfície, até terna, por vezes, mas escondendo, no fundo, uma extrema violência e revolta.

Rui Lage

Tuesday, August 18, 2009

A FOLHA EM BRANCO


A folha em branco
à minha frente
começa a ser um problema
preenchê-la
durante meses
a coisa fluiu
sentava-me na "Cristina"
e a coisa vinha
até me julgava
próximo de Deus e do sublime
um dos eleitos
na busca da verdade
agora parece que tenho
de puxar por mim
que tenho de arrancar a coisa
do fundo de mim
continuo a acreditar no espírito e no coração
continuo a ler a bom ritmo
os livros que marcam
"Quando Nietzsche Chorou"
que a Gotucha me emprestou
em vez da Gotucha
tenho Nietzsche
e assim vou aguentando
são quase sete
sempre consegui escrever
qualquer coisa.

Monday, August 17, 2009

CHARLES BUKOWSKI

Charles Bukowski – O amor é um cão dos diabos (POEMAS)


um poema rude


eles seguem escrevendo
despejando poemas…
jovens garotos e professores universitários
esposa que bebem vinho durante a tarde
enquanto seus maridos trabalham,
eles seguem escrevendo
os mesmos nomes nas mesmas revistas
todos escrevendo um pouco pior a cada ano,
lançando uma coletânea de poesias
despejando mais poemas
é como um concurso
é um concurso
mas o prêmio é invisível.

eles não escreverão contos ou artigos
ou romances
apenas seguirão
despejando poemas
cada um soando mais e mais como os outros
e menos e menos como eles mesmos,
e alguns dos garotos se cansam e desistem
mas os professores nunca desistem
e as mulheres que bebem vinho durante a tarde
nunca nunca nunca desistem
e novos garotos chegam com novas revistas
e há alguma correspondência entre homens e mulheres
algumas fodas
e tudo é exagerado e estúpido.

quando os poemas são recusados
eles os reescrevem
e mandam para a próxima revista na lista
e eles fazem leituras
todas as leituras que conseguem
de graça na maioria das vezes
esperando que alguém finalmente os reconheça
finalmente os aplauda
finalmente os congratule e reconheça o
talento deles
estão todos tão certos de suas genialidades
há tão pouco autoquestionamento,
e a maioria deles vive em North Beach ou Nova York,
e seus rostos são como seus poemas:
iguais,
e conhecem uns aos outros e
se congregam e se odeiam e se admiram e se escolhem e se
descartam
e seguem despejando mais poemas
mais poemas
mais poemas
o concurso dos cretinos:
tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap,…


Charles Bukowski – O amor é um cão dos diabos. L&PM Editores. Tradução: Pedro Gonzaga.

Saturday, August 15, 2009

Talvez a Sara tenha razão. Talvez eu me desgaste demasiado ao ir todas as semanas ao "Púcaros".

A MÚSICA FOLEIRA


A música foleira
lá dentro na televisão
a cerveja à minha frente
num fim de tarde de Agosto
a esplanada quase sem ninguém
o velhote que me saúda
também eu estou a envelhecer
mas dizem que mantenho
a aparência jovem
mesmo quando estou
com as barbas compridas
não estou com aquele speed
de Maio e Junho
mas também não estou a morrer
essas noites, como a de sábado,
trazem sempre estórias para contar
do "Gato Vadio" ao "77"
do "77" ao "Big Ben"
sempre a abrir
de garrafola de "Borba" na mão
festa fiesta até às tantas
até ser dia
mesmo que estejamos sós
e até ligeiramente enjoados
é sempre o risco
a aventura
o contrário da rotina
das conversas de sempre
da racionalidade.

Monday, August 10, 2009

Fixe. Estou teso e sem trabalho e as gajas interessam-se por mim. Ficam vidradas com a minha arte e com a minha loucura. Nem sequer olham para os meus bolsos.

GAJA


Afinal sempre há gajas
que vêm ter connosco
no fim do espectáculo
e que quase se atiram
a nós
e que nos fazem elogios
mesmo estando bêbadas
a cena vale a pena
e fica
até fiquei arrependido
de não lhe pedir
o número de telefone
por outro lado,
torna-se difícil
publicar as minhas coisas
a não ser na Corpos,
abençoada Corpos,
e fiquei mesmo
vidrado na gaja.
Regresso aos cafés vazios
onde se vem ler e escrever
está presente
o homem que se dá
com toda a gente
e eu cortei os cabelos
e as barbas
sou outro
apesar de continuar
a ser o mesmo.

Thursday, August 6, 2009

APÓS PAREDES DE COURA


Após Paredes de Coura
após as críticas mordazes do técnico
após a branca dos ciganos
após o gajo maluco e divino
após o poema na Antena 3
estou de regresso à "Cristina"
as senhoras do canto
falam das coisas de sempre
da família, da casa, dos vizinhos
há uma empregada nova
e é bem bonita
nos festivais
já não se bebe
e esta prosa
já fede,

AMORES

Já não há amores como nos livros
já não há amores
como Diotima de Holderlin
o amor agora é todo "fast-food"
o amor agora serve-se rápido
rapidinho
sem compromissos.

Monday, August 3, 2009

À MESA DO PIOLHO


Sento-me à mesa do "Piolho"
à espera que a palavra venha
a palavra custa a vir
não estou naqueles dias gloriosos
mas há que fazer pela vida
o homem que escreve
tem que escrever
é essa a sua missão na Terra
as namoradas mal-dispostas
não saem de casa
há gajas que não querem compromissos
e eu, se calhar, também não
pelo menos não há aqui ciúmes
nem casamentos
que se foda!
Vive e deixa viver
o sr. Martins dialoga com os conhecidos
os empregados rodeiam o balcão
só falta aqui o anão
a puxar pela selecção
os golos passam na televisão
sempre vou a Paredes de Coura
com a Mana Calórica
vamos lá a ver no que dá
meia-hora para provar o que valho
meia-hora de possível glória
para não variar
tenho pouco cacau nos bolsos
o trabalho fode a cabeça às pessoas
por isso é que não trabalho
ou só trabalho naquilo que quero.