Tuesday, May 4, 2010

O POETA É O QUE É

No local do crime
no "Labirintho"
ninguém fala ao poeta
e o poeta escreve
e o poeta bebe
o poeta nada mais
tem a dizer
não há Susana
nem Alexandra
nem Gotucha
só uns casais que entram
e o poeta bebe
nada lhe resta
senão beber
e ficar à mesa
a bebida faz parte
do seu trabalho
a bebida é
o seu trabalho
o poeta escreve
o poeta é louco,
minha mãe,
sabe umas coisas
que os outros
nunca experimentaram
entedia-se com
a rotina do mundo
detesta a vida
casa-trabalho-casa
tem de ir sempre
mais além
não se contenta
com uns versinhos bonitinhos
o poeta bebe
enquanto não rebenta
é essa a sua sina
vai ao fundo
escreve
procura-se
a si mesmo
não quer saber
de conversinhas
nem das palavrinhas
da conveniência
e da virtude
é doido
e assume que o é
não está na vossa onda
não se deixa levar
pelo canto da sereia
a não ser que a sereia
seja a mulher
que ele quer
não precisa sequer
do vosso paleio
da vossa treta imbecil
do tem que ser
dos chefes
dos governos
dos filhos da puta
o poeta é o que é
já viu o que tinha a ver
é a noite fora
no bar até ser dia
é a noite na praia
às voltas
ou no banco do jardim
o poeta é o que quer
ponto final.


Porto, Labirintho, 20.4.2010