Monday, May 9, 2011

DECLARAÇÃO DE AMOR AO PRIMEIRO-MINISTRO


Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro, A. Pedro Ribeiro
August 1, 2008
Tendo nascido no Porto, em 1968, A. Pedro Ribeiro vive actualmente em Vila do Conde.

Num acto de protesto contra os valores preconizados pela sociedade de consumo, marcada pelo materialismo e pela superficialidade, o autor decide anunciar a sua candidatura à Presidência da república, em 2005, «para abanar consciências e reclamar lugar para a liberdade mais absoluta» (sic).

Antes da publicação da obra supracitada, em Julho de 2005, A. Pedro Ribeiro tinha também publicado o Manifesto dos 37 o qual se torna emblemático por definir os objectivos e o padrão de escrita de A. Pedro Ribeiro.

«Aos 37 anos José Mário Branco escreveu o FMI. Aos 37 anos apetece-me dizer com os situacionistas que nada queremos de um mundo no qual a garantia de não morrer de fome, se troca pelo risco de morrer de tédio (citando Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova).

«Apetece-me dizer com André Breton que a ideia da Revolução é a melhor e a mais eficaz na salvaguarda do indivíduo (in La Révolution Surrealiste nº 4). Apetece-me estar com a subversão. Com a crítica radical à ditadura do consumível, da mercadoria, do quantitativo, do défice. Apetece-me estar do lado da liberdade, da liberdade absoluta, contra a ilusão da liberdade de compra e venda, da sobrevivência, da “sobrevida” que substitui a vida, do quotidiano insuportável, do tédio.

«Apetece-me estar com os poetas malditos. Com Rimbaud, com Baudelaire, com Nietzsche, com Sade, com Lautréamont, a infernizar tudo quanto é direitinho, conforme as normas, castração.

«(…) Apetece-me dizer que acredito na poesia e no amor, como formas subversivas. Que acredito em actos provocatórios, em agitações espontâneas que ridicularizam o instituído, no terrorismo político. Que a criatividade é o último reduto da rebelião.»

As duas epígrafes, que servem de introdução ao livro, denunciam a orientação do conteúdo, onde é exposta a rapacidade de uma classe detentora do poder para a qual o homem figura apenas um agente de produção:

«Os valores do mercado, a rentabilidade, o lucro, a eficácia dominam por todo o lado e substituem tudo o resto. Orientam as decisões dos governos, dirigem o funcionamento das famílias, impõem-se na escola, reinam nos media. Uma pessoa só será admitida para ocupar um lugar na sociedade se estiver apta a produzir e a comprar.»

Subcomandante Marcos EZLN

E também que:

«Estamos num tempo dos relojoeiros. O imperativo económico converte cada homem num cronómetro vivo, com o sinal distintivo no punho.»

Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova

A provocação inteligente e calculada de A. Pedro Ribeiro que, amiúde, o aproxima da ousadia vulcânica de Mário Cesariny ou da deliciosa e oportuna inconveniência de Luiz Pacheco, está presente em quase todos os poemas da obra, sendo estas características especialmente notórias na “Ode ao sacrifício ou Manifesto Autárquico para a Póvoa de Varzim”, onde se destaca um impressionante jogo de ideias, implícitas e explícitas, criado pelo violento contraste entre o discurso judaico-cristão dos primeiros quatro versos a colidir com um discurso frontalmente boémio, nos versos seguintes. Um verdadeiro xadrez de palavras e ideias a formar um autêntico vórtice verbal, cujo ritmo binário acentua o sarcasmo, eternamente presente na voz do Poeta.

A alternância entre o racional e o emocional coloca em evidência a ira de quem enxerga nos detentores de poder o expoente máximo da hipocrisia, de quem pretende fazer passar a mensagem de que se preocupa com as classes mais desfavorecidas, no sentido de conseguir o voto, e cujo verdadeiro rosto se manifesta no cinismo vampírico de quem suga o sangue dos mesmos eleitores – os quais como que formam uma casta à parte – até ficarem exangues, com cintos tão apertados (até ao último furo ou já com furos extras) como os espartilhos usados pelas mulheres até à primeiras décadas do século XX.

Senão vejamos:

O Presidente da República ama-nos
O primeiro-ministro sacrifica-se por nós
Sacrificai-vos vós também
E será vosso o reino dos céus

E continua…

O poeta Ulisses recebe o rendimento mínimo
Paga-me copos
E já não vende poemas nos cafés

…com a voz que denuncia como se calam as vozes dos poetas, com a esmola que lhes sacia o estômago, enquanto que aqueles que não se calam têm de continuar a vender os poemas pelos cafés para não morrer de fome.

O autor prossegue com a voz de trombeta do juízo final ao perseguir o objectivo de derrubar muros e silêncios de conveniências, ao vomitar palavras incómodas e ao acreditar na revelação da contradições de uma sociedade economicista, na qual coexistem fenómenos como o decretar da caça à pornografia na Internet com os lucrativos anúncios de prostituição, consentidos e perfeitamente legalizados na imprensa e na televisão. Em suma, trata-se de colocar a nu a prostituição dos estados e dos media. No lugar da Utopia, onde descrença no futuro prossegue a par da crença na religião da liberdade do Amor e do Prazer.

Pedro Ribeiro, um poeta ainda na semi-obscuridade, mas que já se afigura como o Dionysos da geração dos novos poetas.

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Cláudia Sousa Dias

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