Wednesday, July 23, 2008
IGGY POP
Entrem comigo neste caos. Iggy Pop, a quem já deverão ter atribuído todos e mais alguns epítetos, não tem culpa alguma do que se segue. Ele limitou-se a praticar jogging em cima de um palco, enquanto os The Stooges tocavam guitarras como eu jogava o berlinde. Alguns anos após essas aventuras iniciáticas, lançou-se a solo com duas obras-primas. Os títulos, Lust For Life e The Idiot, são suficientemente explícitos para que um mínimo de decência autocrítica não se sinta aliciada. O universo punk é uma forma simplificada de existencialismo, levado aos extremos por quem, não vislumbrando qualquer solução celestial para o inferno na Terra, procura resolver-se num hedonismo radical. Haverá sempre quem lhe chame autodestruição, não percebendo que “auto e heterodestrutivos” são todos aqueles que caminham para a morte sob o olhar cúmplice do Senhor. Basta acelerar um pouco o passo para a caminhada não doer tanto. O condenado à morte de Dead Man Walking é a pálida figura de quem apenas na morte encontrará o amor, ou de quem espera encontrá-lo, pouco antes de morrer, no rosto de quem sobrevive de uma forma de entrega a que é costume dar-se o nome fatídico de amor. A benevolência não é amor, o perdão não é amor, a solidariedade não é amor, a condescendência não é amor e Iggy Pop percebe mais destas coisas do que Tim Robbins. Em 1993, num álbum intitulado American Caesar, o avô punk mostra-nos a impossibilidade da remição num mundo de condenados por voluntarismo. A política é esta: pelo menos os junkies conservam algum carácter, ao contrário das estrelas que aparecem na Vogue a promover estilos de vida ao serviço das modas consumistas. Não serão essas estrelas um outro tipo de junkies? Os junkies da novidade, do artifício, da imagem, da aparência, junkies de uma felicidade transformada em moda consumista. No filme A Outra Margem, de Luís Filipe Rocha, a dor da perda leva um homem a tentar suicidar-se. O suicídio é a prova de 100 metros no corredor da morte. O suicida em causa sobrevive e redescobre a alegria de viver num sobrinho com Síndrome de Down. Ao contrário do que possa parecer, é um filme de um pessimismo enfadonho. Como se a alegria de viver resultasse de um distúrbio genético. Estou a ser cínico, mas a verdade é que não me deixo comover com este tipo de abordagens. Como diria o Iggy, I’m as bent as Dostoievsky. Preciso de acreditar que a alegria de viver pode ser encontrada, não me interpretem mal, em qualquer coisa mais normal. E reparem que estou a reduzir a felicidade à mera alegria de viver. Poderá ser de outra forma? Por exemplo, nas canções do Iggy Pop eu encontro um pouco de felicidade, ou seja, de alegria de viver. Ou no jogo do berlinde. Ainda antes da moda dos skates, eu jogava muito ao berlinde. Fazia colecção. Cheguei a ter mais de 50 calhaus. Era um craque da barroca. Depois vieram os skates e espalhei-me ao comprido. Como o puto de Paranoid Park, comecei a escrever histórias sobre os crimes cometidos inadvertidamente. É sempre assim com quem gosta de experimentar. Os brasileiros diriam que virei tristeza. Vou partilhar o pior de todos os crimes que cometi até hoje. Sucedeu precisamente no dia em que nasci, com 5 quilos e 300 gramas. A minha mãezinha teve que fazer tanta força para me trazer a este mundo que, diz ela, ficou com uma dor nos queixos que lhe durou duas semanas a passar. E eu fiz-lhe a desfeita de nascer em silêncio, impávido e sereno como um nado morto. Só pode ter sido por alegria de viver. Paradoxo insanável, a alegria de viver causa sempre sofrimento. É muito mais iggy do que pop – adoro este trocadilho -, não redime, não alivia nada, apenas nos ajuda, como a morte, a olhar o outro com um pouco mais de imaginação, menos determinismo e uma vontade enorme de acelerar perante todo o género de intermitências.
http://antologiadoesquecimento.blogspot.com
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