Friday, April 27, 2007

SURREALISMOS



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Rompendo as amarras
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Friday, April 27, 2007 5:11 PM
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O MOVIMENTO SURREALISTA - Gilberto Lourenço Farias - 4º período, campus Nova Friburgo






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O MOVIMENTO SURREALISTA - Gilberto Lourenço Farias - 4º período, campus Nova Friburgo

"A melhor coisa que se pode fazer, no campo da metafísica, quem não é sábio ou santo, é estudar as obras dos que o foram e que, por haverem modificado o seu modo de ser, meramente humano, foram capazes de uma qualidade e de uma soma de conhecimentos mais do que meramente humanos." (Aldous Huxley, A filosofia perene)
"A imaginação está talvez a ponto de retomar seus direitos."
(André Breton)
"Os órgãos mais filosóficos do homem são as mandíbulas."
(Salvador Dalí)
"O homem está condenado à liberdade."
(Jean-Paul Sartre)
"Acabo por achar sagrada a desordem do meu espírito."
(Rimbaud)
"Não creio que o Surrealismo seja um movimento muito conhecido no Brasil..."
Eu também não creio. Na verdade, tenho dúvidas sobre as coisas e/ou movimentos que sejam muito conhecidos no Brasil. Nossa História dá exemplos significativos disso. A própria "proclamação da república brasileira" é um excelente modelo de referência de desconhecimento ou ignorância mesmo das coisas, quando o nosso povo assistiu bestializado, atônito e surpreso aquele evento da "proclamação". Sem conhecer o que aquilo representava verdadeiramente, pensando que se tratava mais de uma parada, um desfile militar em plena praça... Uma prova significativa e incontestável de que movimentos, fatos, coisas, etc., não são mesmo "muito conhecido no Brasil". De maneira que, lamentável e assustador, é esta "situação estapafúrdia", esquisita, esdrúxula, excêntrica, patética e faltando-me adjetivos: SURREALISTA MESMO do Brasil não ter conhecimento de nada, muito menos povo, mas público para o teatro que se encena sobre o seu chão diariamente, desde a chegada de Cabral. Faz-se necessário, aqui, abrir um parêntese para o mérito do existencialismo de Kierkegaard, que já nos alertava para os perigos da sociedade urbana moderna que viria a transformar o homem em "público", em "instância coletiva"... Então, de certa forma, olhando as coisas dessa maneira, tudo aqui no Brasil é contexto surrealista. Mas sem relação, agora, com outras situações estapafúrdias adicionadas com toques de ironia ou de desprezo como diz o autor. Sem deslocamentos de adjetivos, sem assassinato do sentido original por mera ignorância. Refiro-me a um contexto surrealista não estapafúrdio, não aquele distorcido pela burrice. Mas sim ao original, encarnado na personalidade Dalíniana. Um contexto genuinamente surrealista onde se encerram dois pólos antagônicos: o da luz e o da sombra. O primeiro, "alegre, ferozmente analítico e estrutural"; o segundo "morbidamente triste, cinza, imóvel", nas palavras do mestre. Então vamos, seguindo os passos de André Breton, contemplar esta paisagem brasileiramente surrealista para constatar que as árvores não estão plantadas no chão, mas no céu, e que "o Surrealismo jamais separou teoria e prática e a 'práxis surrealista', o seu entusiasmo, foram seus principais motores." Antecedentes do movimento
Tomando-se por referência o final da Belle Époque francesa, começa a surgir um movimento que passa a refletir o niilismo de uma nova geração marcada e destroçada pelos horrores da Primeira Guerra mundial (1914-1918). A figura de André Breton surge neste novo cenário funesto para condenar a hipocrisia da sociedade e de seus valores morais, do cristianismo, do conjunto de idéias nacionalistas. Breton, na verdade, reproduziu o discurso de Nietzsche, que já se antecipara na anunciação do inferno humano, clamando aos sete ventos que Deus havia morrido... Ao lado de Breton, os poetas Pierre Reverdy e Paul Valéry também trouxeram seus ânimos para o engendramento daquilo que viria a ser conhecido como movimento Dadaísta, que teve sua inspiração nas idéias e versos de Rimbaud. A partir de 1916, este movimento é levado para Zurique, através do poeta romeno Tristan Tzara, atraindo outros poetas e pintores, que se refugiaram no paraíso neutro da Suíça enquanto a carnificina dos campos de batalha da velha Europa seguia seu curso.

"A primeira noite dada apresentou um manifesto e números de música, dança, poesia e pintura. A reação do público foi de horror. (...) As poesias constituíam conjuntos de sons desprovidos de sentido, a música era feita de ruídos e as obras dos artistas plásticos foram expostas apenas para provocar uma reação de espanto nos espectadores e, normalmente, eram destruídas em cena."
"O que estamos celebrando é ao mesmo tempo uma cena bufa e uma missa de réquiem."
O manifesto dadaísta clamava pela ruptura entre arte e lógica buscando caminhos e possibilidades para a liberdade ampla e irrestrita de toda a forma de expressão, e encontrou na França um "apoio mais formalizado". Encontramos, assim, no espírito dadaísta – em sua anarquia e loucura generalizada, em seu desejo de desmistificar as manifestações artísticas, destruindo a imagem do artista "ornamento da boa sociedade" – os antecedentes de uma nova concepção voltada também para a continuidade do desprezo aos valores tradicionais da sociedade humana, todavia, agora, através de uma linguagem capaz de expressar de maneira significativa a condição do homem neste cenário absurdo de sua própria existência. Breton, já mais amadurecido, começa a pensar num outro tipo de movimento, mais tangível do que a mera negação pela negação. De maneira que, do corpo agonizante do dadaísmo, surge as primeiras manifestações daquilo que se poderia considerar o nascimento do Surrealismo, considerado o movimento mais significativo e controverso do período entre guerras, espalhou-se pelos principais recantos do mundo ocidental influenciando várias gerações.
Sob os escombros da realidade – A busca incessante de uma poesia mais densa
O surrealismo pretendia explorar a força criativa do subconsciente, valorizando um anti-racionalismo, a livre associação dos pensamentos, da imaginação, dos sonhos, da clarividência, norteado pelas teorias psicanalíticas de Freud, cujas descobertas e aprofundamentos neste campo encanta os primeiros surrealistas, principalmente Breton.
"Os trabalhos de Freud relativos aos sonhos e sua teoria do inconsciente forneceram material de extrema importância para a estruturação do movimento surrealista".O Manifesto do Surrealismo
"O maravilhoso é sempre belo, qualquer maravilhoso é belo, que seja belo somente o maravilhoso". (André Breton)
"O Manifesto do Surrealismo só vai aparecer em 1924, mas as bases e práticas surrealistas já haviam sido lançadas." Incorporado ao fantasma do Dadaísmo, recebeu deste "a vitalidade e a ousadia, que contribuíram para a definição do caminho..." Sua primeira manifestação ocorre em 1924 com a divulgação do panfleto "Um cadáver", que fez referência à morte de Anatole France, Nobel de literatura e cujo "estilo límpido e ceticismo consagrado tornaram-se um alvo perfeito para este manifesto. Numa linguagem violenta, afirmavam que acabava de morrer um pouco da servilidade humana". Já na época da elaboração deste manifesto, Breton era visto como mentor do grupo. O termo "Surrealismo" foi tomado do prólogo da peça Les mamelles de Tiresias, de Apollinaire, resumindo-se nas seguintes posições:
• Crítica à realidade e à razão, que se opunham às certezas da infância, da loucura e da imaginação. A palavra-chave neste contexto é "desrealização", referindo-se à uma concepção de arte não mais "mimética", e que se recusava em simplesmente copiar de maneira ingênua e acanhada a "realidade empírica" seguindo, assim, de certa maneira, os passos do cubismo e do expressionismo, correntes que também deixaram de visar a reprodução mais ou menos "fiel" desta mesma "realidade", ilusória e destoante da verdadeira aparência de um mundo absurdo. Nesta linha de raciocínio, podemos compreender, sem fugir do universo surrealista, que passamos por momentos de importância conjunta na Arte: o ser humano, na pintura moderna, é dissociado ou "reduzido" na visão do cubismo; deformado no expressionismo e eliminado no não-figurativo. Enfim, tudo a ver...
• Louvor às descobertas de Freud, no campo psicanalítico e com atenção particular ao fenômeno dos sonhos.
"É fato conhecido que os surrealistas desprezavam o romance; apenas o romance gótico alcança o 'domínio do maravilhoso', pois, segundo Breton, ele não é fantástico, o fantástico é que ele é real."É a expressão de um sentimento diante da vida ou mesmo de uma atitude espiritual que renegava ou pelo menos colocava em dúvida a visão do mundo que se desenvolveu e se solidificou a partir do Renascimento.
"Basta de jogos de palavras, de artifícios de sintaxe, de malabarismos formais, precisamos encontrar – agora – a grande Lei do coração, a Lei que não seja uma Lei, uma prisão, senão um guia para o espírito perdido em seu próprio labirinto." (Antonin Artaud – Carta aos Reitores)
"Uma vontade latente de subversão." (La Révolution Surréaliste)
"Ainda em 1924, aparece La Révolution Surréaliste, primeira revista do movimento, dirigida por Péret e Pierre Naville. O grupo de Breton sabe perfeitamente contra o que está lutando: contra a alienação da sociedade, contra a aceitação dos valores pátria, família, religião, trabalho e honra."
A finalidade da Revolução Surrealista, enquanto publicação, era o estabelecimento de uma nova Constituinte, "uma nova declaração dos direitos do homem". Não apenas para o cidadão europeu, mas para toda a humanidade. Constituição alicerçada no niilismo que predominava no pensamento de seus idealizadores. Fazia-se necessário acender as luzes dos "grandes faróis do Surrealismo: a poesia, o amor e a liberdade", para dissipar as trevas de um mundo arruinado em seus valores humanos, morais e sociais. Uma nova reconstrução de valores que permitiria ressuscitar a emoção, o sentimento, a criatividade e principalmente a liberdade incondicionada do espírito assassinado pela trama social e suas leis degeneradas, sua cultura estreita e sua moral hipócrita e vazia do sopro místico.
Artaud e o "ardor insurrecional"
Sob a direção de Antonin Artaud, foi criado um Bureau de pesquisas surrealistas destinado a recolher qualquer tipo de comunicação sobre as formas que podem tomar as atividades inconscientes do espírito. Foi ele responsável pela publicação de textos coletivos de "ardor insurrecional". "Abrir as prisões, licenciar o exército".
"Senhores: as leis, os costumes, concedem-lhes o direito de medir o espírito. Esta jurisdição soberana e terrível. Não nos façam rir." [Artaud – Cartas aos médicos-chefes dos asilos de loucos]
O domínio da linguagem
A indomável personalidade de Artaud, envolta numa alquimia de incompreensível misticismo inquietou ou enciumou Breton, que decide tomar as rédeas da Revolução Surrealista, "impondo preponderância aos domínios da linguagem", que deve passar – segundo o seu pensamento – para o "primeiro plano". A partir de 1925, durante um período de exaltação surrealista, novos simpatizantes entram em cena, como: Jacques e Pierre Prévert, Yves Tanguy e Marcel Duhamel, que abrem as portas do hermético endereço da Rue du Château. "O não-conformismo absoluto, a irreverência total e também o melhor bom humor reinavam aí..." Humano, demasiado humano – Nietzsche
"Na Rue du Château todos eram apaixonados por jazz, cinema, passeios noturnos, jogos coletivos, conversas e brincadeiras intermináveis."
A falta de "produção" literária surrealista por parte de Jacques Prévert e Queneau, e mais: a inclinação dos mesmos para visões mais populares, onde criariam obras magníficas, e Duhamel, após uma experiência no cinema e teatro, tomará a frente na direção da primeira grande coleção de romances policiais, a Série Noire São acontecimentos interpretados por Breton como um "início de vulgarização do movimento". Em 1926, Pierre Naville abandona o grupo para se integrar ao comunismo, tentando, ainda, convencer os companheiros a "deixarem as brincadeiras idealistas" para se tornarem militantes do partido, em seus destinos humanos...
"A legítima defesa"
"As experiências interiores não devem ser controladas de fora, nem mesmo pelo marxismo." (André Breton)A terceira publicação de La Révolution Surréaliste
"Somos teus mui fiéis servidores, oh Grande Lama! Concede-nos, envia-nos tua luz numa linguagem que nossos contaminados espíritos europeus possam compreender." (Antonin Artaud)
A atração pelo Oriente e o misticismo cada vez mais incorporado levaram Artaud a publicar, no número 3 da Revolução Surrealista, uma carta ao Dalai Lama, revelando-se seu "discípulo" seu "mui fiel servidor".
Acusado de manter atividades "jornalísticas e teatrais", perseguindo isoladamente "a estúpida aventura literária", Artaud defende-se com o texto "O blefe surrealista", reafirmando que o Surrealismo tem sua essência na magia e que a adesão dos outros integrantes ao comunismo, incluindo Breton, conduziu o movimento à morte.
"A liberdade do espírito deve passar pela liberdade social do homem."
É necessário que o indivíduo encontre o caminho livre, por assim dizer, para fazer a sua interpretação pessoal e solitária da própria vida. Em 1925, Breton tem contato com as idéias de Trotski sobre Lênin. Dois anos depois, ao lado de Péret, Aragon, Éluard e Pierre Unik engajam-se no partido comunista, voltados para o questionamento da atividade revolucionária.
"Nada pode justificar a miséria de uma população sujeita aos interesses de uma classe social. Os surrealistas, todavia, entendem que a condição humana se coloca além da condição social. Para 'transformar o mundo', como Marx desejava, era preciso 'mudar a vida', segundo Rimbaud."
"Em que parte do meu corpo está meu nome? Diga-me, por que quero destruir sua odiosa morada." (Shakespeare)
Nós mesmos temos de decidir como queremos viver a partir do momento em que nos sentimos alienados, num contexto absurdo e condenados à maldita sociedade. O sentimento de estranheza diante do mundo, segundo Sartre, nos conduz a uma sensação de desespero, tédio, vazio e absurdidade.
"Para Breton e seus amigos, foi muito difícil aceitar 'o primado da matéria sobre o espírito' e dedicar-se à tarefa de lutar, prioritariamente, pela transformação social do mundo".
Chegamos, dessa maneira, a um impasse que conduziria ao fim do movimento, ou "ao fim de uma ilusão" nas palavras de Freud. Uma vez que para ser marxista não havia necessidade de pertencer ao Surrealismo. As vestimentas, agora, são vermelhas. Breton transforma-se num soldado do comunismo, e seu espírito está fragmentado... Num último desespero, tentará mostrar que sua força de combate situa-se em dois planos: o da poesia, afirmando que os poetas não seriam "inofensivos sonhadores", e estariam "dispostos a participar de debates revolucionários"; no outro, convencer aos militantes do partido comunista da "aberração que seria lutar por idéias sociais avançadas, conservando uma concepção retrógrada da arte".
"Digamos que o contato com o marxismo aguçou a consciência social dos surrealistas, mas, para alguns, não foi suficiente para obscurecer a visão da repressão stalinista."
Nadja, o arquétipo da mulher surrealista: o mistério fugidio da identidade
Apesar deste período ser marcado por uma grande instabilidade no âmago do movimento, devido às manifestações de caráter político e social, todavia não impediu a elaboração de obras consideradas fundamentais para a história do Surrealismo. É nesta época que Breton também se destaca editando sua obra mais famosa: Nadja. Nesse romance, Breton encontra aquela que será o arquétipo da mulher surrealista, que o surpreende com frases perturbadoras, visões e imagens bizarras. Próxima da clarividência e a um passo da loucura.
"- Quem é você? – Eu sou a alma errante." Responde Nadja.
O surrealismo foi definido por Breton como automatismo psíquico puro pelo qual se propõe expressar, através de qualquer tipo de comunicação e/ou expressão, o funcionamento real do pensamento, sem interferência ou controle da razão, sem preocupações estéticas ou repressões morais. Resumindo: a libertação do espírito e a exploração dos recônditos do mundo interior. Nadja é vista como a materialização mais representativa desse universo surrealista. Definida com "um gênio livre, algo como um desses espíritos do ar que certas práticas de magia permitem momentaneamente visualizar, mas jamais submeter." Sua presença é perturbadora do início ao fim, que nos mantém fixados no reino do incrível.
Possuindo uma liberdade inigualável, Nadja, atinge o ponto mais alto das aspirações surrealistas com sua forma de vida, entregue por completo aos ritmos interiores e intuitivos, desprendida do cárcere terreno. Pouco afeita aos aspectos práticos da existência, vive à mercê das ruas e dos acasos; nas fronteiras da loucura para onde caminha sem saber e confiante (terminando num asilo de loucos). Quanto a Breton, resta-lhe admitir: "Nunca estive à altura do que ela me propunha." Proposta interpretada vagamente por ele como um meio de "amor", "o único e indubitável amor, que não pode ser senão à prova de tudo".
"É possível que a vida peça para ser decifrada como um criptograma (...) pode-se conceber a grande aventura do espírito como uma viagem desse gênero ao paraíso dos ardis", pondera Breton. Em Nadja, encontra-se a atração pelo enigma e o mistério fugidio da identidade; questões inquietantes sobre o relacionamento entre o ser humano e o mundo, e os impasses, paradoxos, limites e perplexidades do próprio Breton e do Surrealismo.
O desejo de transmutação em direção ao "maravilhoso" – A procura da pedra filosofal: a poesia
Com a descoberta de Nadja, a imagem da mulher é alçada a uma condição especial de transcendência nos caminhos de busca surrealista, assim como a própria linguagem escrita, que vinha abrir as portas para o desvelamento do "outro lado das aparências". O acaso, o imprevisto, o inesperado seriam sinais para o caminho que se trilhava em direção ao mundo interior do espírito.
O final da década de 1920 ficou, assim, marcado por esse novo alento em busca dos segredos perenes da vida. O interesse pelos estudos da alquimia, do esoterismo, da magia e da descoberta da pedra filosofal, que proporcionariam a transmutação em direção ao "maravilhoso": essência e "pedra de toque da poesia".
"A poesia é, com efeito, a ponte que liga o mundo da realidade cotidiana e o mundo maravilhoso, e essa ponte é a única para quem deseja conservar a lucidez." (Philosophie du Surréalisme)
"É dessa fusão, dessa sensação de estranhamento, que brota a poesia. É o estranhamento (dépaysement) que faz os olhos se abrirem para a realidade absoluta". "Breton proclamava que devem existir observatórios do 'céu interior' que são, naturalmente, observatórios presentes na realidade." O Segundo Manifesto
"Tudo nos incita a pôr termo à visão de uma natureza não humana e de um homem não natural." (Serge Moscovici)Nos últimos anos da década de 1920, alguns artistas plásticos aderiram ao Surrealismo, entre eles: Miró e Picasso, este, todavia, sem adesão completa ao movimento, sendo a pintura e as imagens objetos de interesse permanente dos surrealistas. Este Segundo Manifesto foi publicado em 1929, na edição final de La Révolution Surréaliste. Nessa publicação, Breton, vê o momento oportuno para responder às críticas de seus ex-companheiros.
"Tudo leva a crer que existe um certo ponto do espírito onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo deixam de ser percebidos contraditoriamente. Ora, é em vão que se procuraria dar à atividade surrealista um outro móvel que não fosse a esperança de determinação desse ponto." (Breton, Manifestes)
Nessa afirmação, Breton confessa ter lançado mão do pensamento hegeliano, e também no esoterismo hebraico através de reflexões do Zohar, o Livro do Esplendor – uma obra cabalística do século XVIII que, na essência, é uma meditação a respeito do Velho Testamento. Todavia, Breton adverte que seria errôneo situá-lo como místico, uma vez que o único dogma aceito pelo Surrealismo é "a revolta absoluta, a insubmissão total".
"Breton também critica os comunistas e sua óptica estreita, que esquece deliberadamente as possibilidades do homem, ao colocar a ação social como prioritária. Ele insiste na postura revolucionária, da qual não pretende abrir mão (...) A própria prática surrealista é questionada; a negligência no uso da escrita automática, a acomodação, a vaidade, a falta de rigor e pureza em que muitos escorregaram ao optar pelo recurso automático, como se ele fosse uma simplificação do ato de escrever 'literariamente'."A visão hermética
"Este segundo manifesto abre espaços para pesquisas esotéricas, em particular para a figura do alquimista Nicolas Flamel. O Surrealismo também procura a pedra filosofal, que deveria dar à imaginação afogada pela moral de tantos séculos sua verdadeira desforra. A mensagem surrealista deve ser confrontada com a mensagem esotérica. Temendo a vulgarização do movimento, o exibicionismo para o público, o esquema de concessões ao mundo, Breton pede 'A OCULTAÇÃO PROFUNDA, VERDADEIRA DO SURREALISMO'."
Devido a esses ataques explícitos, um grupo insatisfeito resolve crucificar Breton, com direito a uma auréola e coroa de espinhos sobre sua cabeça. Junto a essa imagem, um panfleto irônico, intitulado "um cadáver". Assinam, entre outros, Vitrac, Limbour, Baron, Queneau, Prévert e Desnos. A revista La Révolution Surréaliste chega ao seu fim.
Novos clarões de imagens insólitas e desconexas
Em 1930-1933, é lançada uma nova revista intitulada Le Surréalisme Au Service De La Révolution – ASDLR. Nesta época, conta com a presença de Salvador Dalí, Luis Buñel, René Char e Georges Sadoul.
"Buñel e Dalí deram impulso ao cinema surrealista, cujo precursor, Man Ray, dirigira L'étoile de mer, Retour à la raison e Lês mystères du château de Ré, nos quais o elemento onírico é fundamental, além da preocupação com a fotografia, um dos títulos de glória de Ray. Dalí constitui um nome importante do movimento, não só pela participação como roteirista, mas, sobretudo, pela obra pictórica."
"Se, como proclamou Arthur Cravan, 'todo artista tem o sentido de provocação', é preciso reconhecer que ninguém levou esse gesto mais longe do que Dalí, tanto na arte como em sua pessoa." (Breton)
A década de 1930
Em 1930, Aragon e Georges Sadoul, após participarem de um Congresso de Escritores Revolucionários, na Rússia, assinaram um documento abrindo mão da plena liberdade de exploração e expressão artísticas, abrindo mão, na verdade, da "marca registrada do Surrealismo". Esse fato gerou controvérsias e conflitos que se arrastaram dentro do grupo por vários meses. Aragon permaneceu comprometido com o comunismo, e a partir de 1932 a repressão stalinista contribuiu decisivamente para o alargamento do abismo intransponível entre surrealistas e comunistas. Outro incidente ocorreu em 1935, durante o Congresso dos Escritores para a Defesa da Cultura, organizado por comunistas que impediram ao máximo a participação dos surrealistas. Esses conflitos ideológicos levaram Crevel ao suicídio. Em 1935, Tzara aderiu ao comunismo e, logo após foi a vez de Éluard, em 1938. A década de 1930 assinala a internacionalização do movimento, com a entrada, entre outros, de Octavio Paz escritor mexicano. Três grandes textos de Breton, desse período, evidenciam que a pesquisa da linguagem, um dos fundamentos do Surrealismo, não foi abandonada e que "a escrita automática é isenta de mácula na sua concepção. Com Les vases communicants, Breton mostra a conjunção de sonho e realidade, que são vasos comunicantes, um dos temas essenciais do movimento surrealista". L'immaculé conception, de 1930 e escrito em parceria com Paul Éluard, apresenta textos automáticos e simulações de delírios. Trata-se de um trabalho de recriação de certos estados mentais patológicos, tentando mostrar como é tênue a distinção entre saúde e doença mental. O terceiro texto, L'amour fou, publicado em 1937, narra o encontro de Breton e uma mulher em 1934, e seu passeio por Paris à noite. O maravilhoso resvala para a realidade: essa noite estava prefigurada num poema automático de 1932 – 'Tournesol'. Poucos meses depois, Breton casa-se com Jacqueline Lamba, 'a todo-poderosa orquestradora da noite do girassol'. L'amour fou apresenta também um texto básico para a compreensão do projeto estético do Surrealismo, isto é, a noção de beleza convulsiva:
"A beleza convulsiva será erótico-velada, explosiva-fixa, mágico-circunstancial ou não será." (L'amour fou, p. 26)
Em 1938, Breton encontra-se com Trotski, no México, e em conjunto escrevem: "Por uma arte revolucionária independente". Passando a admirador e defensor do pensamento trotskista, aprofundando, assim, as divergências entre surrealistas e comunistas. A organização da FIARI (Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente), idealizada por Breton, deveria ter como lema a luta contra o nacionalismo, uma vez que trabalhadores e artistas não necessitavam de pátria. Mas o despontamento do nacionalismo alemão, às vésperas da Segunda Guerra, destruiu de vez o projeto.
Após a guerra: "Só dos verdadeiros poemas pode sair o sopro da liberdade."
Com a França ocupada pelos alemães durante o conflito bélico, o movimento surrealista foi desmobilizado. Alguns de seus integrantes foram presos enquanto que outros se aliaram à resistência. Masson, Ernst e Breton conseguiram embarcar para os Estados Unidos. Péret seguiu para o México.
Nos EUA, Breton e Marcel Duchamp organizam a Exposição Surrealista de Nova Iorque, em outubro de 1942, arrecadando fundos em favor dos prisioneiros franceses. A atividade surrealista, em solo americano, ganha força com novos adeptos e a criação da revista VVV, dirigida por Duchamp, Breton, David Hare e Max Ernest. Breton casa-se com Elisa e Ernest com a pintora Dorothea Tanning. Já no México, Péret casa-se com uma outra artista plástica: Remédios Varo. Em 1943, Péret envia aos amigos refugiados nos Estados Unidos, um texto sobre poesia, mito e revolução, que será batizado por La parole est à Péret. Breton escreveu Arcane 17 e Ode a Charles Fourier. Tanto Péret como Breton apaixonam-se pela arte dos diversos povos indígenas das Américas. É publicado, na França, um volume de poesias em honra à Resistência intitulado: "L'honneur des poètes" (A honra dos poetas). Péret respondeu com o texto "Lê déshonneur dês poetes" (A desonra dos poetas), posicionando-se contra a poesia de circunstância, de texto-receita de ladainhas, afirmando: "Só dos verdadeiros poemas pode sair o sopro da liberdade". Em 1942, Breton escreveu uma série de textos que foram editados em 1946 no livro Manifestes du Surréalisme. Contextando abertamente todas as ideologias e sistemas. Lamentava a morte de Freud e se preocupa com o futuro da psicanálise, que de instrumento de libertação poderia passar à opressora.
Últimas aventuras
"O homem é apenas um pequeno fragmento do cosmos."
Tzara, agora membro do partido comunista, guardou do surrealismo apenas suas possibilidades materiais de relação com a ação social revolucionária, banindo seus vislumbramento metafísico e transcendental. Essa mudança de atitude desencantou seus ex-companheiros que permaneciam fiéis à causa mística do movimento. Levando Breton e outros à investirem furiosamente contra ele durante uma conferência sobre o Surrealismo e o após-guerra que, Tzara, proferia na universidade de Sorbonne. A palavra-chave de ordem seria: traição.
"Por essa ocasião, inaugurou-se a Exposição Internacional do Surrealismo, organizada por Duchamp e Breton, para mostrar as aspirações de um mito novo e, naturalmente coletivo..."
Em 1948, é lançado um jornal surrealista: 'Néon', que contou com a participação de Breton, Péret, Hérold, a pintora tcheca Toyen, Hans Arp, Bellmer, Ernest, Matta, Lam, Miro e Man Ray. Nessa época, novos autores são convidados e recomendados pelos surrealistas.
"No início dos anos 50, foram incorporados ao movimento Robert Benayoum e Ado Kirou, ligados à revista L'Age du Cinema, e também Jean Schuster, Gilbert Legrand, Michel Zimbacca, Jean-louis Bédouin e Allain Jouffrey."
"Anthologie de l'humeur noir", de Breton, escrito em 1940 e proibido pela censura de Vichy, durante a ocupação alemã, foi reeditado. O humor negro, termo criado pelo próprio Breton, é o humor do risco, aquele que repele a sentimentalidade e a poesia banal."
"Em 1952 foi inaugurada a galeria L'Étoile Scellée, o seu nome mantém correspondência com a tradição da alquimia. Nesse ano, os surrealistas assistiram às conferências de René Alleau sobre os textos clássicos da tradição esotérica. Para ele, a manipulação dos metais e a evolução espiritual estabelecem entre si relações de identidade e não de mera analogia. Breton não estava interessado em saber se os livros do passado chegaram completos ou não aos nossos dias, mas sim que tipo de influência causaram em poetas como Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Mallarmé, Jarry. Se o Surrealismo passou por esses autores, cruzou forçosamente com o esoterismo, procurando, nele, uma das fontes da poesia ..."
Verdadeiros criptogramas verbais: relicários do espírito infantil, contemplativo, que habita a alma da poesia
É fato que os poetas, em todas as épocas, foram os principais divulgadores do pensamento metafísico, da mística e do esoterismo. Utilizando-se de uma linguagem secreta, muitas vezes, para fugirem às perseguições ideológicas e religiosas. Sob a linguagem do poeta jaz a chave do tesouro... Essa linguagem especial e enigmática era, ao mesmo tempo, uma proteção contra a vulgarização ou mesmo um escudo contra a institucionalização de uma sensibilidade apropriada apenas aos que compreendiam o mecanismo existencial de uma maneira ímpar, apartado do modelo coletivo e cultural. As línguas do tronco cananeu, entre elas o árabe, o persa e o hebraico, por exemplo, em suas formas mais avançadas empregam raízes consonantais específicas para ocultar e revelar certos significados que são incompreensíveis à multidão de falantes comuns.
Nessa mesma linha de exemplificação, podemos nos reportar ao berço de nossa civilização ocidental, onde a deidade guardiã de Roma tinha um nome "incomunicável". Já em algumas regiões da Grécia antiga, os nomes sagrados dos deuses eram gravados em lâminas de chumbo que se lançavam nas profundezas do mar Adriático, com o fim de protegê-los contra a profanação. No campo das artes plásticas, algumas correntes passaram a interessar cada vez mais os surrealistas. Uma delas, art brut (conhecida no Brasil como arte do inscosciente), mereceu a criação, com Jean Dubuffet, da Compagnie e L'Art Brut,, encarregada de recolher exemplos de arte executada por pessoas isentas de cultura artística: loucos, reclusos, idosos, indivíduos para quem a arte é, essencialmente, uma livre expressão do inconsciente. Outra corrente, a arte gaulesa, é importante para o Surrealismo, ao explicitar sua própria riqueza, seus valores mágicos, o que reforça a proposta de ruptura com a tradição cultural grego-latina. Finalmente, a arte mágica, aquela que transmite a magia na qual foi concebida, como nos quadros de Hieronimus Bosche e nas gravuras alquímicas. Sobre o assunto, Breton e Gerard Legrand escreveram L'art magique, em 1975. O livro contém numerosos depoimentos de antropólogos, críticos, artistas plásticos e pesquisadores do esoterismo. O Surrealismo seria, no século XX, o mais digno representante da arte mágica, porque contém o 'condimento bizarro' (solicitado por Baudelaire), por que desafia o senso crítico, e seu imaginário, como nos antigos mitos, exige uma interpretação do Universo, uma integração do homem ao cosmos.
Novos jogos surrealistas foram inventados, talvez os mais requintados na história do grupo: Um no outro e Mapa de analogias. Os exemplos guardados indicam a proximidade dessa prática com a literatura; eles mostram com clareza a visão analógica do mundo, isto é, o próprio fundamento do Surrealismo. Saber jogar é conservar o espírito da infância, é ter os olhos limpos para a contemplação do Universo. Atividade coletiva, os jogos mantêm acesa a chama do grupo, abrem espaço para o lúdico, o acaso e a poesia."
Um único sobrevivente: "Seria o suicídio uma solução?"
Em 1945, Marx Ernst, que acompanhara o movimento surrealista desde o Primeiro Manifesto, aceitou a premiação da Bienal de Veneza sendo, por isso, expulso do grupo. O Surrealismo jamais aceitou ser encampado por iniciativas oficiais. Começa a surgir, a partir deste episódio, problemas mais graves de ordem pessoal entre seus integrantes. Tanguy morre em 1955, e em 59 Péret "o mais puro surrealista", segundo Breton. Logo depois, Dominguez e Paalen (artistas plásticos) e o poeta Jean-Pierre Duprey trilhavam o caminho do suicídio, fato que veio a marcar de maneira trágica os destinos do movimento. De seus principais fundadores, apenas Breton continuava sobrevivente. As novas reuniões mudam de endereço, localizando-se agora no café La Promenade de Vênus, com a participação de Joyce Mansour, Gilbert Legrand, José Pierre, Vincent Bounoure, Robert Benayoun, Radovan Ivsic, Jean Benoit, Jorge Camacho. Em 1961, o brasileiro Sérgio Lima apresentou, numa dessas reuniões, sua mostra de desenhos e aquarelas. Em Paris, duas grandes exposições temáticas são apresentadas: Eros (1959) e Desvio Absoluto (1965). Duchamp inaugurou, em Nova Iorque, no ano de 1960, a Surrealist Intrusion in the Enchanters' Domain.
O Surrealismo que não morre, em suas obras eternamente vivas
Ocorre uma divulgação do movimento em outros países da Europa, Portugal (1947). Na América Latina, surgem manifestações no Peru, México, Argentina, Colômbia e no Brasil (1962-64, por intermédio de Sérgio Lima). Como sempre, a cidade de São Paulo é a vitrine das novidades. Algumas obras publicadas nesse período: Piazzas e Paranóia (Roberto Piva, com fotos de Wesley Duke Lee); Amore (impresso litográfico com texto manuscrito, Sérgio Lima); Anotações para um apocalipse (Cláudio Willer). Paulo Antônio Paranaguá realizou o premiado e mais que esperado filme Nadja. De Paris, o próprio Breton passa a "supervisionar" a Exposição Surrealista de São Paulo, inaugurada em 1967, na Fundação Armando Álvares Penteado, contando com o apoio de Flávio de Carvalho e Maria Martins (artistas plásticos). A única edição de uma revista surrealista brasileira A PHALLA surge nesse mesmo ano (1967). Todavia, Breton não soube desse acontecimento, uma vez que já havia "partido", para sempre, em "busca do ouro do tempo". E não restava ninguém neste mundo que pudesse ou ousasse tomar o seu lugar. Em 1969, Jean Schuster assinou um documento dissolvendo o grupo. Permaneceu apenas o espírito surrealista, que continua em nosso mundo etéreo, incorpóreo, fantasmagórico, encarnado em suas obras "eternamente vivas". Referências bibliográficasBETTELHEIM, Bruno. Freud e a alma humana. São Paulo: Cultrix, 1997. BRETON, André. Nadja. Rio de Janeiro: Imago, 1990. CASTANEDA, Carlos. Uma estranha realidade. Rio de Janeiro: Record, 1988. DEVI, Indira e Dilip Kumar Roy. Peregrinos das estrelas. São Paulo: Cultrix, 1990. EDDÉ, Pere Emile. Byblos: Berceau de l'alphabet. Beyrouth: Dar Al-Kitab Al-lubnany, 1969. GUÉNON, René. O esoterismo de Dante. Lisboa: Vega, 1978. HUXLEY, Aldous. A filosofia perene. São Paulo: Cultrix, 1995. LIAÑO, Ignácio Gómez de. Dalí. Barcelona, Ediciones Polígrafa, 1982. NASR, Seyyd Hossein. Ensaios sobre la dimensión esotérica del Islam. Barcelona: Herder, 1985. RAIYD, Souhair. Al-tohra, entre a idolatria e a unidade divina (fontes sobre o "Zohar" ). Beyrouth: Dar Wu Al-Nafa'is, 1989. ROSENFELD, Anatol. Texto/ Contexto. São Paulo: Perspectiva, 1969. SIMPSON, Thomas Moro. Linguagem, realidade e significado. São Paulo: EDUSP, 1976. YATES, Francês A. Giordano Brno e a tradição hermética. São Paulo: Cultrix, 1993.

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