Thursday, July 31, 2008
BUKOVSKI
encolhendo-me debaixo dos lençóis –/para encarar a luz do sol de novo,/dá nitidamente aflição.//gosto mais da cidade quando as/luzes de néon estão indo e/as mulheres dançam nuas no alto do/bar/a maltratada música.//estou debaixo do lençol/pensando./meus nervos estão travados por/história –/a mais memorável com respeito à humanidade/é da coragem que ela toma/pra olhar a luz do sol de novo.//amor começa pelo encontro de dois estranhos./amor pelo mundo é/impossível. prefiro ficar na cama/e dormir.//atordoado pelos dias e as ruas e os anos/eu puxo os lençóis até o pescoço./viro a b(*)da pra parede./odeio as manhãs mais do que qualquer homem.
SEXO, NOITADAS & ROCK N' ROLL
"Sexo, Noitadas e Rock n´Roll"
"Emborcar seis cerjevas e cambalear só por causa de uma conversa, de uma gaja e de uma foto do Che. Telefonar-te a dizer que estou vivo e que, finalmente, voltei a devorar um livro, que curiosamente se chama "Memórias de um Alcoólico", de Jack London. Entrar nas conversas e deixar escapar a deixa. Escrever declarações de amor a gajas de gosto duvidoso. Trair-te em Vilar de Mouros ao som dos Led Zeppelin. Estoirar em sonhos alucinatórios a meio de uma existência pacata. Voltar ao computador e à concha do lar familiar. Confundir vozes delirantes com masturbações mentais. Mas há uma foto do Che no quarto a quem apelo contra todas as injustiças, todos os imperialismos, todas as tiranias. Mas há uma foto do Che e a boina, o olhar, a estrela e volto a acreditar que a revolução é possível. Apesar de todas as normas, de todas as rotinas, de todos os filhos da puta."
Pedro Ribeiro apresentou ontem à noite, no Púcaros, mais um volume, revisto e aumentado, da contundente obra "Sexo, Noitadas e Rock n´Roll", da qual tomei a liberdade de extrair o supracitado poema intitulado de "Che". Com o fantasma de Morrison sobre presente, no Porto poetas, boémios e outros inconformados foram reis e heróis, pelo menos por uma noite. Vida longa e inspirada ao "Imperador da Cinco da Manhã" e às edições Pirata...
"A serpente continua à espreita"
Posted by Anastácio Neto at 02:11
Tuesday, July 29, 2008
Estou com pesadelos não consigo dormir estórias de santas que se tornam putas de putas que se tornam santas a cabeça à roda serão alucinações provocadas pelo sol? Agora apetece-me rir loucamente “gritar para além da loucura terrestre” como escreveu Herberto Hélder dar um abraço aos poetas não foi de propósito o amor venceu o ódio e o outro que diz poemas como se estivesse a cagar como se se estivesse a cagar para esta merda toda enlouqueci de vez vou ser internado a testa escorre àgua vomito pela retrete fora perdi o controle como a gaja do Curtis a loucura é uma coisa batida em mim vem ter comigo periodicamente sou o maior poeta desta merda toda deixa-me lá ficar com o ego inflamado sempre é melhor do que andar na merda e a Carlinha à minha espera em Amarante atravessa a ponte rumo ao parque florestal a charrar a ter vibrações e a Gotinha com a vozinha a xonar na Madeira tenho amigas para lá do sexo e sexo para lá das amigas as minhas amigas maradas que me acham piada ando a defender gajos que não merecem ando-me a expor numa época em que ninguém se expõe isso faz-me regressar à infância ando aos berros pelas ruas Gotucha Gotucha estou a enlouquecer de vez nada a fazer não consigo voltar para a cama apesar do comprimido tenho a cabeça fodida por causa dos comprimidos.
RIBEIRO POR AMARAL
a) O António Pedro Ribeiro é um dos segredos mais mal guardados da poesia portuguesa. Isto é verdade entre os frequentadores de cafés e bares do Porto. E a mim interessa-me a verdade.
b) O Ribeiro tem vários livros publicados e, ao contrário do que refere o press release da editora, nenhum deles está esgotado. Pela simples razão de que basta fotocopiar e agrafar os seus poemas para nascer mais um livro do Ribeiro. É assim que os seus livros circulam pelo Porto, Braga ou Vila do Conde. De mão em mão, fotocopiados, agrafados, colados, rasgados, etc. Com capas recicladas e recicladas de novo. E essa é também a razão pela qual ninguém sabe quantos livros publicou o Ribeiro. Nem o próprio Ribeiro.
c) O Ribeiro é um dos autores que leio com mais prazer. E é meu amigo. Por isso, todos os meus livros do Ribeiro estão autografados e têm dedicatórias.
d) Como todo o mau patriota que se preze, o Ribeiro também tem um blogue.
e) Enfim, todos nós, os leitores do Ribeiro, sabíamos que mais cedo ou mais tarde isto iria acontecer. Que era apenas uma questão de tempo. Agora, vai ser mais fácil encontrar o Ribeiro nas livrarias do que nos cafés. E isso é bom. E isso é mau.
f) O livro do Ribeiro é editado pela nova editora "Objecto Cardíaco", do Valter Hugo Mãe. E o grafismo, quanto a mim, é irrepreensível.
y) O próximo número da revista "aguasfurtadas" (número 9) incluirá poemas mais ou menos inéditos do Ribeiro.
z) "Ribeiro" em alemão escreve-se "Bach".
publicado por Rui Manuel Amaral às 8:30 AM 5 comentários
RIMBAUD
ARTHUR RIMBAUD
(...)
Agora, mergulho na maior devassidão possível. Porquê? Quero ser poeta e trabalho para me tornar visionário: vós não compreendeis nada e eu não sei se saberei explicar-vos. Trata-se de atingir o desconhecido através do desregramento de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes mas é preciso ser-se forte, ter nascido poeta, e eu reconheci-me poeta. Não é de modo algum culpa minha. É falso dizer-se: eu penso. Deveria dizer- se: sou pensado. - Desculpe o trocadilho. -
Eu é um outro. Tanto pior para a madeira que se descobre violino e zomba dos inconscientes que discreteiam sobre aquilo que pura e simplesmente ignoram. Não sois Mestre para mim. Dou-vos isto: será uma sátira como vós diríeis? É poesia? Fantasia, é-o sempre. - Mas, suplico-vos, não a sublinheis com o lápis nem - demasiado - com o pensamento:
Coração Supliciado
(..................................)
Isto não quer dizer nada. - RESPONDA-ME: para casa do sr. Deverrière, para A. R.
Saúdo-o, de todo o coração,
Art. Rimbaud
(excerto de uma carta dirigida a Georges Izambard, em Maio de 1871, quando tinha 17 anos - tradução de Ângelo Novo, Cartas do Visionário, Fora do Texto, 1995)
Sunday, July 27, 2008
FADA MORGANA
Morgana representa na lenda arturiana, a figura de uma Deusa Tríplice da morte, da ressurreição e do nascimento, incorporando uma jovem e bela donzela, uma vigorosa mãe criadora ou uma bruxa portadora da morte. Sua comunidade consta de um total de nove sacerdotisas (Gliten, Tyrone, Mazoe, Glitonea, Cliten, Thitis, Thetis, Moronoe e Morgana) que, nos tempos romanos, habitavam uma ilha diante das costas da Bretanha. Falam também das nove donzelas que, no submundo galês, vigiam o caldeirão que Artur procura, como pressagiando a procura do Santo Graal. Morgana faz seu debut literário no poema de Godofredo de Monntouth intitulado "Vita Merlini", como feiticeira benigna.
Mas sob a pressão religiosa, os autores a convertem em uma irmã bastarda do rei, ambígua, freqüentemente maliciosa, tutelada por Merlim, perturbadora e fonte de problemas.
Nenhum personagem feminino foi tão confusamente descrito e distorcido como Morgana ou Morgan Le Fay. A tradição cristã a apresenta como uma bruxa perversa que seduz seu irmão mais novo, Artur, e dele concebe o filho. Entretanto, nesta época, em outras tribos celtas, como em muitas outras culturas, o sangue real não se misturava e era muito comum casarem irmãos, sem que isso acarretasse o estigma do incesto.
Morgana e Artur tiveram um filho fruto de um Matrimônio Sagrado entre a Deusa (Morgana encarna como Sacerdotisa) e o futuro rei.
O "Matrimônio Sagrado" era um ritual, no qual a vida sexual da mulher era dedicada à própria Deusa através de um ato de prostituição executado no templo. Essas práticas parecem, sob o ponto de vista da nossa experiência puritana, meramente licenciosas. Mas não podemos ignorar que elas faziam parte de uma religião, ou seja, eram um meio de adaptação ao reino interior ou espiritual.
Práticas religiosas são baseadas em uma necessidade psicológica. A necessidade interior ou espiritual era aqui projetada no mundo concreto e encontrada através de um ato simbólico Se os rituais de prostituição sagrada fossem examinados sob essa luz, torna-se evidente que todas as mulheres devessem, uma vez na vida, dar-se não a um homem em particular, mas à Deusa, a seu próprio instinto, ao princípio Eros que nela existia.
Para a mulher, o significado da experiência devia residir na sua submissão ao instinto, não importando que forma a experiência lhe acontecesse. Depois de passar por essa iniciação, os elementos de desejo e de posse ficam para trás, transmutados através da apreciação de que sua sexualidade e instinto são expressões de força de vida divina cuja experiência no plano humano.
A nível transpessoal, o "matrimônio sagrado" envolve o mistério da transformação do físico para o espiritual, e vice-versa. Cada pessoa conecta-se com o universo como se fosse célula única no organismo do campo planetário da consciência. A partir da união do humano com o divino, a "Criança Divina" nasce. A "Criança Divina" é a vida nova, vida com nova compreensão, vida portadora de visão iluminante para o mundo.
QUEM ERA MORGANA?
Como muitos indivíduos legendários e românticos, há versões conflitantes sobre quem o que foi Morgana. O historiador e cronista do século XII, Geoffroi de Monmouth, escreveu que "sua beleza era muito maior do que a de suas nove irmãs. Seu nome é Morgana e ela aprendeu a usar todas as plantas para curar as doenças do corpo. Ela também conhece a arte de mudar de forma, de voar pelo ar...ela ensinou astrologia às irmãs."
Relatos antigos contam-nos que ela era uma Velha Deusa da Sabedoria, a Senhora e Rainha de Avalon, a Alta Sacerdotisa da Antiga Religião Celta. Aprendeu magia e astronomia com Merlim. Alguns achavam que ela era uma "fada arrogante", pois era símbolo de rebeldia feminina contra a autoridade masculina. Quando zangada, era difícil agradar ou aplacar Morgana; outras vezes, podia ser doce, gentil a afável. Também era descrita como "a mulher mais quente e sensual de toda a Grã-Bretanha."
Morgana era um enigma aos seus adversários políticos e religiosos. Os escrivões cristãos transformaram-na em demônio, talvez devido ao seu papel como sacerdotisa de uma Antiga Religião, que eles estavam tentando desacreditar nas suas investidas para cristianizar a estrutura de poder da Grã-Bretanha. Ela, entretanto, defendeu valentemente a fé das Fadas e as práticas dos druidas, achando entre os camponeses simples seus mais fiéis seguidores. Ela negou as acusações de prostituição dos monges e missionários cristãos.
É Morgana, que depois da batalha final, ampara o irmão ferido de morte e o cuida com o zelo de uma mãe e consoladora espiritual.
O cristianismo menospreza o poder e o conhecimento de Morgana, do mesmo modo com que impediu a mulher à ascender ao sacerdócio, anulando completamente o seu poder pessoal.
Layamon, autor de um poema narrativo inglês é o primeiro a descrever como a mulher levou Artur pelas águas e não simplesmente recebendo-o na sua chegada.
Morgana é a fada mais bela das que habitam Avalon. Não existem fundamentos suficientes para se acreditar que Avalon seja o lugar que a cultura celta atribuí como residência dos mortos. O que se sabe é que quando Artur é transportado sobre as águas em companhia das mulheres com destino a Avalon, se perde no horizonte do mito imemorial.
Este é o pano de fundo sobre o qual se desenvolvem as diferentes lendas relativas à partida e imortalidade de Artur, que supostamente continua vivo dentro de uma caverna ou em uma ilha. Estas mulheres que acolheram Artur pertencem ao mundo das fadas, que provavelmente foi antes um mundo de deusas.
Segundo Robert Graves e Kathy Jones, a Morg-Ana "surgiu da união das estrelas com o ventre de Ana". Muitas vezes foi equiparada as Deusas Morrigan e Macha, que presidiam as artes da guerra. Entretanto, como fada controlava o destino e conhecia as pessoas.
Famosa por seus poderes de cura, seu conhecimento de plantas medicinais e sua visão profética, era uma xamã capaz de alterara a sua forma, tomando o aspecto de diferentes animais para utilizar seu poder.
DEUSA-MÃE PRIMITIVA
Em "Estoire de Merlin", temos uma descrição bastante detalhada de Morgana, indicando seu verdadeiro caráter e também os estreitos vínculos que estabelece com a Deusa Mãe primitiva:
"Era a irmã do rei Arthur. Era muito alegre e jovial, e cantava de forma muito agradável; seu rosto era moreno, mas bem metida em carnes, nem demasiadamente gorda nem demasiadamente magra, de belas mãos, de ombros perfeitos, a pele mais suave que a seda, de maneiras afáveis, alta esguia de corpo, em resumo, sedutora até o milagre; a mulher mais cálida e mais luxuriosa de toda a Grã Bretanha. Merlim havia lhe ensinado astronomia e muitas outras coisas, e havia se aplicado ao máximo, de maneira que havia se convertido em uma boa sacerdotisa, que mais tarde recebeu o nome de Morgana a Fada, em virtude das maravilhas que realizou. Se explicava com uma doçura e uma suavidade deliciosas, e era melhor e mais atrativa que tudo no mundo, embora tivesse sangue frio. Porém quando queria alguém, era difícil acalmá-la..."
Esse é decididamente o retrato da Deusa Mãe primitiva, com toda sua ambigüidade, as vezes boa, outras nem tanto, "cálida e luxuriosa", como a Grande Deusa oriental e, "virgem", pois não se submete à autoridade masculina. Observemos também que Merlim ensinou-lhe magia do mesmo modo com que fez com Viviana, a Dama do Lago.
Outras versões da história do Merlim, versões hoje perdidas, porém cujo rastro encontramos na célebre obra do século XV devido a Thomas Malory, "La muerte de Arturo", vasta compilação dos relatos da Távola Redonda, outras versões levam a pensar que Merlim foi amante de Morgana antes de sê-lo de Viviana.
COPOS
É uma atenuante, uma atenuante espontânea, durante o...por exemplo, numa fracção de segundo, enquanto se pega na botelha e no copo, este gesto de despejar o vinho, quer seja tinto ou branco, ou um whisky, um Johny Walker por vezes, portanto, o gesto...eu não tenho relógio, por exemplo, eu estava a falar em fracções de segundo, é um momento espontâneo em que também aí há vida, a vida não é de facto o vinho no copo mas o gesto que nós praticamos ao despejar!
(José Machado Pais, "Nos Rastos da Solidão")
MANIFESTO DA MADRUGADA
MANIFESTO DA MADRUGADA
António Pedro Ribeiro
Deixei de acreditar nos amanhãs que cantam. Os situacionistas ainda depositam esperança nos Conselhos Operários mas eu sinceramente não estou a ver uma união dos operários nem dos proletários em geral na sua versão abrangente.Aliás, começo a estar descrente em qualquer tipo de união. Tornei-me céptico e egocêntrico, de ego inflamado, dizem alguns.
No partido já diziam que eu não me adequava ao trabalho colectivo. Quase sempre privilegiei o individual em detrimento do colectivo. Quando muito admito a união em pequenos grupos de três ou quatro individuos.
Lautréamont escreveu que a poesia deveria ser feita por todos. Eu acredito no individuo enquanto criador. Acredito que a revolução está dentro da cabeça. Acredito no poeta enquanto espírito livre no sentido nietzscheano. Acredito no poder da imaginação. Acredito na liberdade da criação. Acredito no terrorismo poético. Acredito no xamã.
http://tripnaarcada.blogspot.com
http://xamachama.blogspot.com
NO PÁTIO (SEM TRIUNFO)
Para a Filó
Venho ao Pátio
e não sou recebido em triunfo
esperava abraços, palmas, ovações,
foguetes, honrarias
a celebrar o meu regresso
Mas nada
aqui sou apenas mais um
um cidadão comum
um viajante solitário
que vem beber uma cerveja
e se senta ao balcão
além de não haver aplausos
está o tédio instalado
e não conheço quase ninguém
não sei como vou permanecer
aqui toda a noite
se ainda, ao menos, tivesse
dinheiro para a borracheira
até a música repetitiva me irrita
desabituei-me dos bares
antes fazia a sua apologia
não sei como vou aguentar a noite
peço mais uma cerveja
talvez vá até ao mar
talvez me deite à beira-mar
-e entra um gajo sorridente-
bem sei que esta merda pode ser
um exercício poético magnífico
mas se não vierem os meus amigos
eu não vou aguentar
já é pouca a ligação com esta cidade
com este bar
o que me safa é que estou
com algum espírito aventureiro
não há ninguém para cravar uma cerveja
ainda se vêem umas caras bonitas
vou aguentar aqui até às tantas
poderia apanhar o metro
e ir para casa dormir
mas também não me apetece
ir para casa
ontem passei a tarde na cama
fico pior quando faço essa merda
e a cerveja está a acabar
os amigos não vêm
nem estão lá fora
- e entra o artista
que apareceu no jornal-
até há uns gajos que vêm aí
que escreveram umas coisas sobre mim
mas eu não os conheço
A Filó viu-me só e ofereceu-me
uma cerveja
as coisas estão a melhorar
e o outro camarada agarrado às notas
e o mundo inteiro agarrado às notas
é quase meia-noite
os amigos não vêm
e o álcool circula
e o anarco-registador não está
nem o anarco-moralista
e o "Poeta a Mijar" já não está exposto
talvez se tenha vendido
ainda se vendem os meus livros
Dizem que isto é um espaço alternativo
mas eu estou cheio de tédio
desabituei-me dos bares
só vou ao Púcaros às quartas-feiras
mas aí é porque descarrego poesia
mas aí é porque faço terrorismo poético
e passo mensagens subversivas
podia falar com a Filó
mas ela anda a tirar cervejas
e também não sei o que lhe iria dizer
coisas banais, talvez
também há uma antiga colega minha
que escreve para o jornal que está
à minha frente- a Teresa
nunca mais serei jornalista
na verdade, tenho algumas saudades
tinha dinheiro para os copos
apanhava borracheiras
não ia trabalhar de manhã
Ai! A Teresa loirinha
tão linda que era
casou com um jogador de futebol
teve filhos
divorciou-se, enfim,
o Pátio não me atrai
e os amigos nunca mais vêm
estou a escrever mais um texto genial
e de merda para ler no Púcaros
e para colocar no blog que 3 ou 4 gajos lêem
-entra o John Lennon com a família-
uma gaja pede um porto
grande exercício poético
mas tudo o resto é tédio
excepto a Filó
vou mesmo dormir à praia
a cerveja circula mas não para mim
todos têm dinheiro excepto eu
e começo a empancar
às vezes parece que funciono a cerveja
deveria ter ido para casa
os livros estão cá mas o livreiro não
de qualquer maneira, já escrevi
como o caralho
já não sou o cidadão comum
a verdade é que não consigo ficar alegre
sorrir para toda a gente
nem tenho sempre aquela observação a propósito
nem a piadinha do momento
vim ao Pátio escrever um poema épico
não tenho aplausos, ovações, honrarias
não saio daqui em ombros
isto é o que consigo escrever agora
qualquer coisa entre a merda e o sublime
qualquer coisa de imparável
qualquer coisa que levante a nação.
Pátio, Vila do Conde, 26/27 Julho 2008.
Thursday, July 24, 2008
MÃO MORTA E MALDOROR NO RASCUNHO
11.05.2007 | Música | Entrevista
Maldoror é o novo «quarto de brinquedos» dos Mão Morta
A mais recente criação dos bracarenses Mão Morta estreia no Theatro Circo a 11 e 12 de Maio. O RASCUNHO foi falar com Adolfo Luxúria Canibal para aprender mais sobre Maldoror.
Os Mão Morta têm um novo espectáculo. Chama-se Maldoror e é directamente inspirado pela única peça literária de Isidore Ducasse, autor do século XIX que levou à estampa a vanguarda do surrealismo. A estreia acontece hoje, 11 de Maio, no Theatro Circo, em Braga. O Rascunho deu mãos com o sítio informativo ComUM e foi ouvir as apresentações da boca do próprio Adolfo Luxúria Canibal.
O livro, Os Cantos de Maldoror, foi publicado pela primeira vez completo em 1869. Assinava o dito Conde de Lautréamont. (Adolfo Luxúria Canibal escreve o prefácio da edição portuguesa da Quasi, de 2004, publicação que o próprio ‘impingiu’ a valter hugo mãe, na altura ainda à frente dos destinos da editora.) O machado é o do mal sobre o bem. O surrealismo literário, esse, instaurou-se meio século mais tarde.
O Theatro Circo continua amanhã, dia 12, com Maldoror, que viaja até Portalegre no próximo dia 19. O resto do país deve esperar até 2008. Postos de parte os formalismos, há que explicar as borboletas.
O centro histórico da Braga natal é mundo. Marcou-se tudo para o final da tarde na incontornável Brasileira. Carro encostado, não há como não recordar O Jardim: «A última vez estava frondoso/ A buganvília a tingir-se de vermelho/ Trepando O perfume inebriante/ E as festas ao cair da tarde/ Parece que foram há séculos/ Noutra encarnação». Porquê o Primavera de Destroços (2001), não se sabe. No meio de tantos… mas mal chega o café, volta: «a luz do sol a fraquejar no horizonte».
As citações ficam sempre no limbo. Para o brilharete ou para o ridículo de quem as põe pela boca fora. A verdade, é que há uma solarenga tarde bracarense e uma conversa agendada com um ícone da cultura daquela velha cidade, quase vinte anos depois do primeiro e homónimo Mão Morta (1988), dez anos depois de Müller no Hotel Hessischer Hof (1997) e três passados sobre o último suspiro em disco, Nus (2004). Não percamos tempo.
Há muita gente que não conhece Os Cantos [de Maldoror]. O que são Os Cantos e por que aparecem agora como um espectáculo dos Mão Morta?
Os Cantos aparecem agora porque são um livro de cabeceira nosso, meu, do Miguel Pedro e do Rafael há muito tempo. Eu li Os Cantos pela primeira vez tinha 16 anos. E portanto, é um livro que sempre nos influenciou porque sempre foi uma leitura constante, há sempre um recair, tal como um vício, um recair na releitura d’Os Cantos. Sempre esteve presente, de alguma forma, na composição dos Mão Morta, nas letras, no espírito, etc. De uma forma indirecta, às vezes com citações directas como no caso d’O Pai – que era um texto do Müller – mas de qualquer maneira tinha uma referência directa. E era uma ideia que, desde que fizemos o Müller no Hotel Hessischer Hof, o Miguel Pedro tinha, que era fazer um espectáculo sobre Os Cantos de Maldoror. Ideia essa a que sempre me opus porque achava irrializável. Achava que o livro era de tal maneira complexo e de tal maneira centrado numa linguagem essencialmente literária, que era muito difícil fazer essa transposição para um outro tipo de universo, como é o caso do espectáculo, da música, do teatro, ou coisa assim. Mas finalmente o Miguel conseguiu convencer-nos a todos «ok, vamos fazer Os Cantos», um bocado naquela «não temos dinheiro para fazer Cantos nenhuns, isso nunca vai ser realizável, mas está bem, dizemos que sim». O que é certo é que o Theatro Circo nos convidou para apresentar-mos um espectáculo, na altura para a sua abertura, e acabou por não ser para essa altura poque não tínhamos o espectáculo nem pouco mais ou menos delineado para essa altura, mas que foi sendo adiado. Seria o primeiro espectáculo que o Theatro iria produzir e nós propusemos este tal espectáculo sobre Os Cantos. O Theatro Circo aceitou, de maneira que a partir daí ficámos atados, tínhamos de fazer Os Cantos. Mas tal como eu previa e como sempre resisti ao Miguel, não foi fácil encontrar o mecanismo que permitisse a passagem do campo literário para o campo do palco. E demorámos nisso, e daí os nossos atrasos sucessivos. Demorámos nisso quase um ano, até encontrar um mecanismo tão simples como a ideia do quarto de brinquedo e a ideia da criança que brinca no quarto de brinquedo para desencadear todas as acções. Depois o desenrolar da condução do espectáculo foi normal, foi relativamente rápido e imediatamente ficámos de acordo em chamar colaboradores externos, nomeadamente o António Durães e entregar-lhe a parte da encenação, e depois os outros colaboradores foram surgindo naturalmente, também por mútuo acordo e quase como primeira escolha, com diversas vozes a irem de encontro à mesma pessoa. Lembro-me por exemplo da Cláudia [Ribeiro], que nós nem conhecíamos pessoalmente, conhecíamos o trabalho. Nós pensámos «eia, era bestial metermos nos figurinos a Cláudia» – conhecíamos o trabalho no Teatro São João – e fomos dizer isso ao Durães e ele «Ah! Tem piada, eu tinha exactamente pensado na Claúdia para os figurinos». Portanto, as vontades entrecruzavam-se assim, o que foi óptimo. Depois utilizamos pessoas que trabalham normalmente com os MM como o Nuno Tudela que trabalha em vídeo. Quando se tornou evidente que iríamos utilizar vídeo como outra linguagem, como a das vozes d’Os Cantos, tornou-se evidente que a pessoa que ia trabalhar no vídeo era o Nuno Tudela, porque é a pessoa que trabalha connosco desde 1993. Em termos de som e de luz também são as pessoas que trabalham connosco habitualmente o Antunes e o Nuno Couto.
Foi complicado juntar essa equipa?
Não foi complicado, não. O Pedro Tudela também era a pessoa que conhecíamos pessoalmente, já conhecíamos o trabalho dele para além do trabalho musical, de artista plástico, de cenografia, com a peça que ele tinha feito com o Durães, de maneira que também foi uma escolha óbvia. Isto para dizer como nos metemos n’Os Cantos.
Agora o livro, o livro em si, é uma pergunta de resposta difícil porque... Bom, Os Cantos, apesar da sua aparência imediata não são romance, nem são uma novela, nem são prosa – aquilo a que as pessoas estão habituadas a associar à prosa. Apesar da sua aparência de um épico clássico e o próprio nome, a designação de Cantos, remete para aí, ele tem efectivamente contornos épicos mas não tem nada a ver com clássico e tem como óptica uma óptica divertida uma vez que o herói é um herói do mal, não herói do bem. Depois é um livro que tem mais a ver com poesia do que com narrativa, porque não há uma narrativa. Há pedaços de narrativa que se interrompem, que de entre-chocam e que se desviam, que não levam a lado nenhum, que nos iludem, e isto tudo rodopia constantemente numa espécie de turbilhão constante e que às tantas a pessoa perde o pé dentro da narrativa. «Mas afinal quem está a falar? O que é que está a acontecer? Onde é que nós estamos?» – é a pergunta mais natural que o leitor faça quando se encontra a meio do próprio Canto primeiro. E essa pergunta vai ser repetida constantemente durante os seis cantos do livro.
Portanto não é um livro que seja fácil de resumir, é como pedir que se resuma um poema ou uma poesia moderna – não digo um poema tipo Lusíadas, que se pode resumir em três penadas –, mas um poema moderno, um poema curto que se alguém pedir para tentar resumir, mesmo que seja possível resumi-la em termos narrativos, esse resumo faz perder o poema, não é? O resumo deste livro faz perder o livro porque não é importante a história, a tal história do mal contra o bem ou da revolta contra a autoridade, todos os potenciais resumos que se podem fazer do livro fazem sempre perder o livro. Porque o livro é essencialmente a sua escrita, é a forma como a sua escrita se revela, é a forma como as frases criam algo de novo que não existe palpavelmente e não pode ser descrito de outra maneira a não ser na forma como eles a construíram. E é isso que é fascinante no livro.
Como é que os Mão Morta conseguiram roubar essa natureza para o espectáculo?
A ideia foi não cair na ratoeira do resumo, de contar uma história. Este livro é um apanhado de esboços de estórias, portanto o espectáculo tinha que ter essa característica. Se não tivesse corria o risco de ser uma dispersão enorme e de não ter pernas, nem tronco nem cabeça. Seria um farrapo a boiar no nada. Havia que dar unidade, uma coerência a esses farrapos. E aí o espaço fechado, o tal quarto de brinquedos idealizado que depois não é preciso que seja, mas que serviu para criar esta coerência em que as diversas vozes, as diversas erupções narrativas que nunca terminam pudessem encontrar um ponto comum, um ponto de contacto que desse uma unidade ao espectáculo. E depois, por outro lado, insistir num ambiente de certo modo gótico, de romance gótico, que está muito presente no livro – vampiresco, que tinha a ver um bocado com o brincar com o que estava em voga no séc. XIX, que era o romantismo e as estórias góticas e de cemitérios e de vampiros, e ele brinca com tudo isso para tornar rizível. Este ambiente é importante no livro, é dado pela própria frase, não tanto pelas discrições como faziam os românticos, mas pelas próprias frases, pela própria introdução de pedaços dentro do livro, da própria escrita. Nós tentámos encontrar alguns pedaços do livro que cujo conjunto pudesse dar este ambiente e fazer o espectador mergulhar no ambiente do livro – neste ambiente estranho e ao mesmo tempo pelo lado do distanciamento que existe constantemente no livro em que é o narrador, quando não é próprio autor, a interferir na história «Atenção, isto é um livro. Não levem isto a sério, tenham calma. Vocês são leitores, não passais de leitores. Eu estou a inventar, isto é a minha mente que provoca, não é verdade». E a partir daqui parte para outra estória que parece verdade e que mete medo, em que as pessoas ficam envolvidas. E quando estão envolvidas «Calma, isto sou eu que escrevo. Nada disto tem a ver. Mas se quiserem verificar vão ao telhado da rua não-sei-quantos no número não-sei-que-mais.» Este brincar constante nós também quisemos aproveitar.
No prefácio que escreveu para a edição d’Os Cantos na Quasi, fala num ambiente de constante vigília, o realismo deformado, o estilo compacto, poderoso, o ritmo desenfreado, frenético, o ambiente de heresia, de transgressão – palavras suas. Como é que se põe isto a respirar num palco?
Nós andámos um ano assim, a tentar perceber como é que isso iria respirar. A questão é exactamente essa: como é que pôr isso num palco? É tudo dado por matéria literária e como é que isso depois passa para o palco? Essa era a nossa grande questão. A resolução que fizemos foi pegar em excertos escolhidos, que tivessem esse tipo de envolvência, e que ao mesmo tempo criassem uma desorientação, mas não uma tão grande que o espectáculo ficasse estilhaçado. Mas que ao mesmo tempo criasse os estilhaços na cabeça do espectador, para que esse lado de turbilhão – «onde estou?», «quem está a falar?», «como é que ele passou de um assunto para o outro?» – estivesse sempre a fervilhar. Espero que tenhamos conseguido, mas isso só a apresentação final é que vai dizer.
Quando o Miguel Pedro queria muito fazer Os Cantos era para dar a conhecê-los ou era tão intrínseco o livro que tinha mesmo de ser?
É evidente que se o espectáculo provocar novos leitores a’Os Cantos nós ficamos muito contentes e ficamos realizadíssimos. Mas o que nos fez partir para Os Cantos, e para trabalhar nos Cantos não foi isso. Sobretudo o que nos fez partir para Os Cantos ultrapassado o medo e deixada toda a angústia que o Müller no Hotel Hessischer Hof nos provocou, e dez anos foram suficientes para deixarem na memória apenas os lados mais radiosos dessa aventura que foi o Müller e os lados mais angustiantes ficaram escondidos, ficaram sem dor, esquecido isso, o que nos fez partir para esta aventura é exactamente esse lado de aventura, este correr o risco, este desafio de fazer algo que para nós é novo. «Como é que a gente se vai desenvencilhar desta encrenca onde nos metemos?», quer dizer, até que ponto vamos conseguir, até que ponto a gente não se vai enterrar todos.
O que mais o entusiasma na obra de Isidore Ducasse?
O grande entusiasmo na obra de Isidore Ducasse, para além da delícia da leitura, que é efectivamente algo de interessante, uma pessoa alheando-se – porque há muita leitura que a pessoa lê mas para querer saber o que é que acontece a seguir – aqui uma pessoa alheia-se disso, é a delícia de ler, a escrita é fabulosa. Mas para além disso é a delícia também da descoberta porque são leituras sucessivas em que se descobrem sempre coisas novas. Há muito de descoberta no Isidore Ducasse, e é este lado que na leitura anterior estava oculto e que na leitura seguinte surge à luz do dia, este lado de descoberta é fascinante. O livro pode suportar tantas leituras e continuar sempre diferente, é algo de mágico e é essa magia que é muito importante do Isidore Ducasse.
O que o mantém actual, quase século e meio depois de ter sido publicado?
Este livro serviu de referência a todas as vanguardas e a todos os undergrounds do séc. XX. Ultrapassou todo um século a dar pistas de inspiração literária e cultural, e mesmo musical e teatral, etc, a todo um século. É incrível, não é? Não há nenhum livro que tenha feito isso, quer dizer há autores importantíssimos o Rimbaud, a par do Isidore Ducasse foi um dos pilares, uma das portas de abertura do moderno na literatura, foi quando a modernidade entrou na literatura. Mas o Rimbaud não teve esta influência marcante de estar constantemente a ser redescoberto e a abrir novas vias, o que teve o Isidore Ducasse com um único livro.
Ducasse teve influência em mais trabalhos dos Mão Morta? Estou a pensar na escrita automática…
A escrita automática foi depois explorada pelos surrealistas. O Nus vai buscar posteriores muito influenciados por Ducasse, mas também pelos surrealistas, que foram os beat – nomeadamente ao poema Uivo, o poema que torna público o movimento beat, que é escrito em jactância –, e vai buscar essa jactância e essa associação rápida de frases, de linhas, de poema. Vai buscá-la exactamente a esse tipo de escrita, que tinha a ver com a escrita desenvolvida pelos surrealistas, que por sua vez tinha a ver com a apresentada pelo Ducasse n’Os Cantos de Maldoror. Tudo se interliga.
Como surgiu o nome de António Durães para tratar da encenação?
Quando tivemos o click de como iríamos transpor do campo literário para um outro, de uma coisa tinha a certeza: não iria ocupar-me da encenação, como tinha feito no Müller no Hotel Hessischer Hof. Achava que não estava nas minhas capacidades. Tinha sido um milagre ter corrido bem no Müller, um milagre intuitivo. Não é a minha área, não tenho técnica nem conhecimento suficiente para trabalhar a encenação. Felizmente correu bem no Müller, mas não era uma experiência para arriscar. O mais certo é que corresse mal. A ideia era «vamos utilizar um encenador». E o nome do António Durães apareceu de imediato – nem sequer foi preciso pensar. Por um lado, conhecíamo-lo pessoalmente, por outro conhecíamos o trabalho dele, era uma pessoa que estava disponível… só restava saber se tinha tempo. Mal o contactámos ele disse logo que sim e ficou desde o princípio com a responsabilidade total da encenação.
O Miguel Pedro criou um blogue [o intelectual do grupo], que pretendia ser um diário de bordo dos Mão Morta a caminho d’Os Cantos. Os fãs consideram uma óptima iniciativa, mas outros elementos do grupo não o acharam benéfico.
Sou o responsável pelo blogue ter ido ao ar. Uma coisa na Internet pode ser interessante se houver matéria para apresentar, se criar discussão. O que reparo é que não havia assuntos. O Miguel, para manter aquilo com matéria, já estava a meter não-importa-o-quê lá para dentro – imagens que não tinham nada a ver com Os Cantos, private jokes que não têm interesse nenhum para divulgação pública… como dizer que eu uso cuecas cor-de-rosa! Não tem interesse absolutamente nenhum. Aquilo deveria ser um espaço de reflexão, mas para isso era preciso tempo, em que uma pessoa deixasse transparecer para o blogue o que é que lhe passava pela cabeça, porquê esta opção ou a outra. Ninguém tinha esse tempo. Ali não havia reflexões, havia informação pura, diminuta, e muitas coisas para encher. Lixo já há muito na net. Não vale a pena andar a enganar as pessoas, a nós próprios, e a contribuir para a lixeira.
'The Love Bite', de Laurie Lipton, imagem que ocupa a capa da edição da Quasi d'Os Cantos de Maldoror (2004)
Houve alguma preocupação do Theatro Circo, ou da Câmara Municipal, com o regresso dos Mão Morta àquele palco? Lembrando o destrutivo espectáculo já do outro século.
Nós já fomos ao Theatro Circo aí umas dez vezes. Em concertos próprios, umas quatro ou cinco vezes, e em concertos colectivos outras tantas. Houve uma vez um concerto que, com condições particulares, provocou estragos consideráveis na sala. Mas foi uma vez em dez. Depois dessa vez já fomos três ou quatro vezes e nunca mais aconteceu nada. Já lá levámos o Müller depois disso e a coisa correu lindamente. Sabendo nós as características da sala, que o espectáculo é feito para salas com essas características, tendo já levado várias vezes a outro tipo de salas com estas características – isto é, lugares sentados – outros espectáculos, não há razão nenhuma para fazer um papão de sete cabeças pelo facto e em 1993 ter havido destruição da sala, quando a sala estava cheia à pinha com adolescentes de 14 anos e 12. Foi uma coisa especial e que, não com tanta gravidade, mas era uma destruição que tinha acontecido, também com o mesmo tipo de público, uns meses antes com os GNR e eles não são acusados de destruírem a sala. Só nós é que ficámos crismados com esse evento.
Por falar em adolescentes de 14 anos – o Ducasse dizia que Os Cantos eram para eles…
Eu comecei a ler Ducasse sensivelmente com essa idade e senti-me muito contente com isso. Ducasse diz, precisamente, que gostaria que a sua poesia fosse compreendida pelas meninas de 14 anos… [risos] Eu era menino – e sou – mas a idade coincidia.
Wednesday, July 23, 2008
IGGY POP
Entrem comigo neste caos. Iggy Pop, a quem já deverão ter atribuído todos e mais alguns epítetos, não tem culpa alguma do que se segue. Ele limitou-se a praticar jogging em cima de um palco, enquanto os The Stooges tocavam guitarras como eu jogava o berlinde. Alguns anos após essas aventuras iniciáticas, lançou-se a solo com duas obras-primas. Os títulos, Lust For Life e The Idiot, são suficientemente explícitos para que um mínimo de decência autocrítica não se sinta aliciada. O universo punk é uma forma simplificada de existencialismo, levado aos extremos por quem, não vislumbrando qualquer solução celestial para o inferno na Terra, procura resolver-se num hedonismo radical. Haverá sempre quem lhe chame autodestruição, não percebendo que “auto e heterodestrutivos” são todos aqueles que caminham para a morte sob o olhar cúmplice do Senhor. Basta acelerar um pouco o passo para a caminhada não doer tanto. O condenado à morte de Dead Man Walking é a pálida figura de quem apenas na morte encontrará o amor, ou de quem espera encontrá-lo, pouco antes de morrer, no rosto de quem sobrevive de uma forma de entrega a que é costume dar-se o nome fatídico de amor. A benevolência não é amor, o perdão não é amor, a solidariedade não é amor, a condescendência não é amor e Iggy Pop percebe mais destas coisas do que Tim Robbins. Em 1993, num álbum intitulado American Caesar, o avô punk mostra-nos a impossibilidade da remição num mundo de condenados por voluntarismo. A política é esta: pelo menos os junkies conservam algum carácter, ao contrário das estrelas que aparecem na Vogue a promover estilos de vida ao serviço das modas consumistas. Não serão essas estrelas um outro tipo de junkies? Os junkies da novidade, do artifício, da imagem, da aparência, junkies de uma felicidade transformada em moda consumista. No filme A Outra Margem, de Luís Filipe Rocha, a dor da perda leva um homem a tentar suicidar-se. O suicídio é a prova de 100 metros no corredor da morte. O suicida em causa sobrevive e redescobre a alegria de viver num sobrinho com Síndrome de Down. Ao contrário do que possa parecer, é um filme de um pessimismo enfadonho. Como se a alegria de viver resultasse de um distúrbio genético. Estou a ser cínico, mas a verdade é que não me deixo comover com este tipo de abordagens. Como diria o Iggy, I’m as bent as Dostoievsky. Preciso de acreditar que a alegria de viver pode ser encontrada, não me interpretem mal, em qualquer coisa mais normal. E reparem que estou a reduzir a felicidade à mera alegria de viver. Poderá ser de outra forma? Por exemplo, nas canções do Iggy Pop eu encontro um pouco de felicidade, ou seja, de alegria de viver. Ou no jogo do berlinde. Ainda antes da moda dos skates, eu jogava muito ao berlinde. Fazia colecção. Cheguei a ter mais de 50 calhaus. Era um craque da barroca. Depois vieram os skates e espalhei-me ao comprido. Como o puto de Paranoid Park, comecei a escrever histórias sobre os crimes cometidos inadvertidamente. É sempre assim com quem gosta de experimentar. Os brasileiros diriam que virei tristeza. Vou partilhar o pior de todos os crimes que cometi até hoje. Sucedeu precisamente no dia em que nasci, com 5 quilos e 300 gramas. A minha mãezinha teve que fazer tanta força para me trazer a este mundo que, diz ela, ficou com uma dor nos queixos que lhe durou duas semanas a passar. E eu fiz-lhe a desfeita de nascer em silêncio, impávido e sereno como um nado morto. Só pode ter sido por alegria de viver. Paradoxo insanável, a alegria de viver causa sempre sofrimento. É muito mais iggy do que pop – adoro este trocadilho -, não redime, não alivia nada, apenas nos ajuda, como a morte, a olhar o outro com um pouco mais de imaginação, menos determinismo e uma vontade enorme de acelerar perante todo o género de intermitências.
http://antologiadoesquecimento.blogspot.com
Monday, July 21, 2008
ALMADA NEGREIROS
José de Almada Negreiros:: Cena do Ódio
CENA Do ÓDIO
Ergo-Me Pederasta apupado de imbecis,
Divinizo-Me Meretriz, ex-líbris do Pecado,
e odeio tudo o que não Me é por Me rirem o Eu!
Satanizo-Me Tara na Vara de Moisés!
O castigo das serpentes é-Me riso nos dentes,
Inferno a arder o Meu Cantar!
Sou Vermêlho-Niagara dos sexos escancarados nos chicotes
dos cossácos!
Sou Pan-Demónio-Trifauce enfermiço de Gula!
Sou Génio de Zaratrusta em Taças de Maré-Alta!
Sou Raiva de Medusa e Danação do Sol!
Ladram-Me a Vida por vivê-La
e só Me deram Uma!
Hão-de lati-La por sina!
Agora quero vivê-La!
Hei-de Poeta cantá-La em Gala sonora e dina
Hei-de Glória desanuviá-La!
Hei-de Guindaste içá-La Esfinge
da Vala pedestre onde Me querem rir!
Hei-de trovão-clarim levá-La Luz
às Almas-Noites do Jardim das Lágrimas!
Hei-de bombo rufá-La pompa de Pompeia
nos Funerais de Mim!
Hei-de Alfange-Mahoma
cantar Sodoma na Voz de Nero!
Hei-de ser Fuas sem Virgem do Milagre,
hei-de ser galope opiado e doido, opiado e doido...
Hei-d Átila, hei-de Nero, hei-de Eu,
cantar Atila, cantar Nero, cantar Eu!
Sou Narciso do Meu Ódio!
- O Meu ódio é Lanterna de Diógenes,
é cegueira de Diógenes,
é cegueira da Lanterna!
(O Meu Ódio tem tronos d Herodes,
histerismos de Cleópatra, perversões de Catarina!)
O Meu ódio é Dilúvio Universal sem Arcas de Noé, só
Dilúvio Universal!
e mais Universal ainda:
Sempre a crescer, sempre a subir...
até apagar o Sol!
Sou trono de Abandono, mal-fadado,
nas iras dos Bárbaros meus Avós.
Oiço ainda da Berlinda dEu ser sina
gemidos vencidos de fracos,
ruídos famintos de saque,
ais distantes de Maldição eterna em Voz antiga!
Sou ruínas rasas, inocentes
como as asas de rapinas afogadas.
Sou relíquias de mártires impotentes
sequestradas em antros do Vício.
Sou clausura de Santa professa,
Mãe exilada do Mal, Hóstia dAngústia no Claustro,
freira demente e donzela,
virtude sozinha da cela
em penitência do sexo!
Sou rasto espezinhado dInvasores
que cruzaram o meu sangue, desvirgando-o.
Sou a Raiva atávica dos Távoras,
o sangue bastardo de Nero,
o ódio do último instante
do Condenado inocente!
A podenga do Limbo mordeu raivosa
as pernas nuas da minhAlma sem baptismo...
Ah! que eu sinto, claramente,
que nasci de uma praga de ciúmes!
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo e a Alma dos Bórgias a
penar!
Tu, que te dizes Homem!
Tu, que te alfaiatas em modas
e fazes cartazes dos fatos que vestes
pra que se não vejam as nódoas de baixo!
Tu, quinventaste as Ciências e as Filosofias,
as Políticas, as Artes e as Leis,
e outros quebra-cabeças de sala
e outros dramas de grande espectáculo
Tu, que aperfeiçoas sabiamente a arte de matar.
Tu, que descobriste o cabo da Boa-Esperança
e o Caminho Marítimo da índia
e as duas Grandes Américas,
e que levaste a chatice a estas Terras
e que trouxeste de lá mais gente praqui
e quinda por cima cantaste estes Feitos...
Tu, quinventaste a chatice e o balão,
e que farto de te chateares no chão
te foste chatear no ar,
e quinda foste inventar submarinos
pra te chateares também por debaixo dágua,
Tu, que tens a mania das Invenções e das Descobertas
e que nunca descobriste que eras bruto,
e que nunca inventaste a maneira de o não seres
Tu consegues ser cada vez mais besta
e a este progresso chamas Civilização!
Vai vivendo a bestialidade na Noite dos meus olhos,
vai inchando a tua ambição-toiro
té que a barriga te rebente rã.
Serei Vitória um dia -Hegemonia de Mim!
e tu nem derrota, nem morto, nem nada.
O Século-dos-Séculos virá um dia
e a burguesia será escravatura
se for capaz de sair de Cavalgadura!
Hei-de, entretanto, gastar a garganta
a insultar-te, ó besta!
Hei-de morder-te a ponta do rabo
e por-te as mãos no chão, no seu lugar!
Ahi! Saltimbanco-bando de bandoleiros nefastos!
Quadrilheiros contrabandistas da Imbecilidade!
Ahi! Espelho-aleijão do Sentimento,
macaco-intruja do Alma-realejo!
Ahi! macrelle da Ignorância!
Silenceur do Génio-Tempestade!
Spleen da Indigestão!
Ahi! meia-tigela, travão das Ascensões!
Ahi! povo judeu dos Cristos mais que Cristo!
Ó burguesia! Ó ideal com i pequeno
Ó ideal ricócó dos Mendes e Possidonios
Ó cofre dindigentes
Cuja personalidade é a moral de todos!
Ó geral da mediocridade!
Ó claque ignóbil do Vulgar, protagonista do normal!
Ó Catitismo das lindezas destalo!
Ahi! lucro do fácil,
cartilha-cabotina dos limitados, dos restringidos!
Ai! dique-impecilho do Canal da Luz!
Ó coito dimpotentes
a corar ao sol no riacho da Estupidez!
Ahi! Zero-barómetro da Convicção!
bitola dos chega, dos basta, dos não quero mais!
Ahi! Plebeísmo Aristocratizado no preço do panamá!
erudição de calça de xadrez!
competência de relógio doiro
e correntes com suores do Brasil,
e berloques de cornos de búfalo!
E eu vivo aqui desterrado e Job
da Vida-gémea dEu ser feliz!
E eu vivo aqui sepultado vivo
na Verdade de nunca ser Eu!
Sou apenas o Mendigo de Mim-Próprio,
órfão da Virgem do meu sentir.
E como queres que eu faça fortuna
se Deus, por escárnio, me deu Inteligência,
e não tenho sequer, irmãs bonitas
nem uma mãe que se venda para mim?
(Pesam quilos no Meu querer
as salas de espera de Mim.
Tu chegas sempre primeiro...
Eu volto sempre amanhã...
Agora vou esperar que morras.
Mas tu és tantos que não morres...
Vou deixar desprar que morras
- Vou deixar desprar por mim!)
Ah! que eu sinto, claramente, que nasci
de uma praga de ciúmes!
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo
e a alma dos Bórgias a penar!
E tu, também, vieille-roche, castelo medieval
fechado por dentro das tuas ruínas!
Fiel epitáfio das crónicas aduladoras!
E tu também ó sangue azul antigo
que já nasceste coa biografia feita!
Ó pajem loiro das cortesias-avozinhas!
Ó pergaminho amarelo-múmia
das grandes galas brancas das paradas
e das Vitórias dos torneios-lotarias
com donzelas-glórias!
Ó resto de cetros, fumo de cinzas!
Ó lavas frias do Vulcão pirotécnico
com chuvas doiros e cabeleiras prateadas!
Ó estilhacos heráldicos de Vitrais
despegados lentamente sobre o tanque do silêncio!
Ó Cedro secular
debruçado no muro da Quinta sobre a estrada
a estorvar o caminho da Mala-posta!
E vós também, ó Gentes de Pensamento,
ó Personalidades, ó Homens!
Artistas de todas as partes, cristãos sem pátria,
Cristos vencidos por serem só Um!
E vós, ó Génios da Expressão,
e vós também, ó Génios sem Voz!
ó além-infinito sem regressos, sem nostalgias,
Espectadores gratuitos do Drama-Imenso de Vós-Mesmos!
Profetas clandestinos
do Naufrágio de Vossos Destinos!
E vós também, teóricos-irmãos-gémeos
do meu sentir internacional!
Ó escravos da Independência!
Vós que não tendes prémios
por se ter passado a vez de os ganhardes,
e famintos e covardes
entreteis a fome em revoltas do Mau-Génio
no boémia da bomba e da pólvora!
E tu também, ó Beleza Canalha
Coa sensibilidade manchada de vinho!
Ó lírio bravo da Floresta-Ardida
à meia-porta da tua Miséria!
Ó Fado da Má-Sina
com ilustrações a giz
e letra da Maldição!
Ó fera vadia das vielas açaimada na Lei!
Ó xale e lenço a resguardar a tísica!
Ó franzinas do fanico
coa sífilis ao colo por essas esquinas!
Ó nu daluguer
na meia-luz dos cortinados corridos!
Ó oratório da meretriz a mendigar gorjetas
prá sua Senhora da Boa-Sorte!
Ó gentes tatuadas do calão!
carro vendado da Penitenciária!
E tu também, ó Humilde, ó Simples!
enjaulados na vossa ignorância!
Ó pé descalço a calejar o cérebro!
Ó músculos da saúde de ter fechada a casa de pensar!
Ó alguidar de açorda fria
na ceia-fadiga da dor-candeia!
Ó esteiras duras pra dormir e fazer filhos!
Ó carretas da Voz do Operário
com gente de preto a pé e filarmónica atrás!
Ó campas rasas, engrinaldadas,
com chapões de ferro e balões de vidro!
Ó bota rota de mendigo abandonada no pó do caminho!
Ó metamorfose-selvagem das feras da cidade!
Ó geração de bons ladrões crucificados na Estupidez!
Ó sanfona-saloia do fandango dos campinos!
Ó pampilho das Lezírias inundadas de Cidade!
ó trouxa daba larga da minha lavadeira,
Ó rodopio azul da saia azul de Loures!
E vós varinas que sabeis a sal
as Naus da Fenícia ainda não voltaram?!
E vós também, ó moças da Província
que trazeis o verde dos campos
no vermelho das faces pintadas!
E tu também, ó mau gosto
coa saia de baixo a ver-se
e a falta deducação!
Ó oiro de pechisbeque (esperteza dos ciganos)
a luzir no vermelho verdadeiro da blusa de chita!
Ó tédio do domingo com botas novas
e música nAvenida!
Ó santa Virgindade
a garantir a falta de lindeza!
Ó bilhete postal ilustrado
com aparições de beijos ao lado!
E vós ó gentes que tendes patrões,
autómatos do dono a funcionar barato!
Ó criadas novas chegadas de fora pra todo o serviço!
Ó costureiras mirradas,
emaranhadas na vossa dor!
Ó reles caixeiros, pederastas do balcão,
a quem o patrão exige modos lisonjeiros
e maneiras agradáveis pròs fregueses!
Ó Arsenal fadista de ganga azul e coco socialista!
Ó saídas pôr-do-sol das Fábricas dAgonia!
E vós também, ó toda a gente, que todos tendes patrões!
E vós também, nojentos da Política
que explorais eleitos o Patriotismo!
Macrots da Pátria que vos pariu ingénuos
e vos amortalha infames!
E vós também, pindéricos jornalistas
que fazeis cócegas e outras coisas
à opinião pública!
E tu também roberto fardado:
Futrica-te espantalho engalonado,
apoia-te das patas de barro,
Larga a espada de matar
e põe o penacho no rabo!
Ralha-te mercenário, asceta da Crueldade!
Espuma-te no chumbo da tua Valentia!
Agoniza-te Rilhafoles armado!
Desuniversidadiza-te da doutorança da chacina,
da ciencia da matança!
Groom fardado da Negra,
pária da Velha!
Encaveira-te nas esporas luzidias de seres fera!
Despe-te da farda,
desenfia-te da Impostura, e põe-te nu, ao léu
que ficas desempregado!
Acouraça-te de senso,
vomita de vez o morticínio,
enche o pote de raciocínio,
aprende a ler corações,
que há muito mais que fazer
do que fazer revoluções!
Ruína com tuas próprias peças-colossos
as tuas próprias peças colossais,
que de 42 a 1 é meio-caminho andado!
Rebusca no seres selvagem
no teu cofre do extermínio
o teu calibre máximo!
Põe de parte a guilhotina,
dá férias ao garrote!
Não dês língua aos teus canhões,
nem ecos às pistolas,
nem vozes às espingardas!
– São coisas fora de moda!
Põe-te a fazer uma bomba
que seja uma bomba tamanha
que tenha dez raios da Terra.
Põe-lhe dentro a Europa inteira,
os dois pólos e as Américas,
a Palestina, a Grécia, o mapa
e, por favor, Portugal!
Acaba de vez com este planeta,
faze-te Deus do Mundo em dar-lhe fim!
(Há tanta coisa que fazer, Meu Deus!
e esta gente distraída em guerras!)
Eu creio na transmigração das almas
por isto de Eu viver aqui em Portugal.
Mas eu não me lembro o mal que fiz
durante o Meu avatar de burguês.
Oh! Se eu soubesse que o Inferno
não era como os padres mo diziam:
uma fornalha de nunca se morrer...
mas sim um Jardim da Europa
à beira-mar plantado...
Eu teria tido certamente mais juízo,
teria sido até o mártir São Sebastião!
E inda há quem faça propaganda disto:
a pátria onde Camões morreu de fome
e onde todos enchem a barriga de Camões!
Se ao menos isto tudo se passasse
numa Terra de mulheres bonitas!
Mas as mulheres portuguesas
são a minha impotência!
E tu, meu rotundo e pançudo-sanguessugo,
meu desacreditado burguês apinocado
da rua dos bacalhoeiros do meu ódio
coa Felicidade em casa a servir aos dias!
Tu tens em teu favor a glória fácil
igual à de outros tantos teus pedaços
que andam desajuntados neste Mundo,
desde a invenção do mau cheiro,
a estorvar o asseio geral.
Quanto mais penso em ti, mais tenho Fé e creio
que Deus perdeu de vista o Adão de barro
e com pena fez outro de bosta de boi
por lhe faltar o barro e a inspiração!
E enquanto este Adão dormia
os ratos roeram-lhe os miolos,
e das caganitas nasceu a Eva burguesa!
Tu arreganhas os dentes quando te falam dOrpheu
e pões-te a rir, como os pretos, sem saber porquê.
E chamas-me doido a Mim
que sei e sinto o que Eu escrevi!
Tu que dizes que não percebes;
rir-te-has de não perceberes?
Olha Hugo! Olha Zola, Cervantes e Camões,
e outros que não são nada por te cantarem a ti!
Olha Nietzche! Wilde! Olha Rimbaub e Dowson!
Cesário, Antero e outros tantos mundos!
Beethoven, Wagner e outros tantos génios
que não fizeram nada,
que deixaram este mundo tal qual!
Olha os grandes o que são estragados por ti!
O teu máximo é ser besta e ter bigodes.
A questão é estar instalado.
Se te livras de burguês e sobes a talento, a génio,
a seres alguém,
o Bem que tu fizeres é um décimo de seres fera!
E de que serve o livro e a ciência
se a experiência da vida
é que faz compreender a ciência e o livro?
Antes não ter ciências!
Antes não ter livros!
Antes não ter Vida!
Eu queria cuspir-te a cara e os bigodes,
quando te vejo apalermado plas esquinas
a dizeres piadas às meninas,
e a gostares das mulheres que não prestam
e a fazer-lhes a corte
e a apalpar-lhes o rabo,
esse tão cantado belo cu
que creio ser melhor o teu ideal
que a própria mulher do cu grande!
E casaste-te com Ela,
porque o teu ideal veio pegado a Ela,
e agora à brocha limpas a calva em pinga
à coca de cunhas pró Cunha examinador
do teu décimo nono filho
dezanove vezes parvo!
(É o caso mais exemplar de Constância e fidelidade
a tua história sexual coa Felisberta,
desde o teu primogénito tanso
té ao décimo nono idiota.)
Té no matrimónio te maldigo, infame cobridor!
Espécie de verme das lamas dos pântanos
que de tanto se encharcar em gozos
o seu corpo se atrofiou
e o sexo elefantizado foi todo o seu corpo!
Em toda a parte tu és o admirador
e em toda a parte a tua ignorância
tem a cumplicidade da incompetência
dos que te falam té dos lugares sagrados.
Sim! Eu sei que tu és juiz
e quinda ontem prometeste a tua amante,
despedindo-a num beijo de impotente,
a condenação dos réus que tivesses
se Ela faltasse à matinée da Boa-Hora!
Pulha! E és tu que do púlpito
dessa barriga dÁgua da Curia
dás a ensinança de trote
aos teus dezanove filhos?!
Cocheiros, contai: dezanove!!!
Zute! bruto-parvo-nada
que Me roubaste tudo:
té Me roubaste a Vida
e não Me deixaste nada!
nem Me deixaste a Morte!
Zute! poeira-pingo-micróbio
que gemes pequeníssimos gemidos gigantes
grávido de uma dor profeta colossal.
Zute! elefante-berloque parasita do não presta!
Zute! bugiganga-celulóide-bagatela!
Zute, besta!
Zute, bácoro!!
Zute, merda!!!
Em toda a parte o teu papel é admirar,
mas (caso infliz)
nunca acertas numa admiração feliz.
Lês os jornais e admiras tudo do princípio ao fim
e se por desgraça vem um dia sem jornais,
tens de ficar em casa nos chinelos
porque nesse dia, felizmente,
não tens opinião pra levares à rua.
Mas nos outros dias lá estás a discutir.
É que a Natureza é compensadora:
quem não tem dinheiro pra ir ao Coliseu
deve ter cá fora razões pra se rir.
Só te oiço dizer dos outros
a inveja de seres como eles.
Nem ao menos, pobre fadista,
a veleidade de seres mais bruto?
Até os teus desejos são avaros
como as tuas unhas sujas e ratadas.
Ó meu gordo pelintrão,
água-morna suja, broa do outro vrao!
Os homens são na proporção dos seus desejos
e é por isso que eu tenho a Concepção do Infinito...
Não te cora ser grande o teu avô
e tu apenas o seu neto, e tu apenas o seu esperma?
Não te dói Adão mais que tu?
Não te envergonha o teres antes de ti
outros muito maiores que tu?
Jamais eu quereria vir a ser um dia
o que o maior de todos já o tivesse sido
eu quero sempre muito mais
e mais ainda muito pralém-demais-Infinito...
Tu não sabes, meu bruto, que nós vivemos tão pouco
que ficamos sempre a meio-caminho do Desejo?
Em toda a parte o bicho se propaga,
em toda a parte o nada tem estalagem.
O meu suplício não é somente de seres meu patrício
ou o de ver-te meu semelhante,
tu, mesmo estrangeiro, és besta bastante.
Foi assim que te encontrei na Rússia
como vegetas aqui e por toda a parte,
e em todos os ofícios e em todas as idades.
Lá suportei-te muito! Lá falavas russo
e eu só sabia o francês.
Mas na França, em Paris - a grande capital,
apesar de fortificada,
foi assolada por esta espécie animal.
E andam plos cafés como as pessoas
e vestem-se na moda como elas,
e de tal maneira domésticos
que até vão às mulheres
e até vão aos domésticos.
Felizmente que na minha pátria,
a minha verdadeira mãe, a minha santa Irlanda,
apenas vivi uns anos dInfância,
apenas me acodem longinquamente
as festas ensuoradas do priest da minha aldeia,
apenas ressuscitam sumidamente
as asfixias da tísica-mater,
apenas soam como revoltas
as pistolas do suicídio de meu pai,
apenas sinto infantilmente
no leito de uma morta
o gelo de umas unhas verdes,
um frio que não é do Norte,
um beijo grande como a vida de um tísico a morrer.
Ó Deus! Tu que mos levaste é que sabias
o ódio que eu lhes teria
se não tivessem ficado por ali!
Mas antes, mil vezes antes, aturar os burgueses da My
Ireland
que estes desta Terra
que parece a pátria deles!
Ó Horror! Os burgueses de Portugal
têm de pior que os outros
o serem portugueses!
A Terra vive desde que um dia
deixou de ser bola do ar
pra ser solar de burgueses.
Houve homens de talento, génios e imperadores.
Precisaram-se de ditadores,
que foram sempre os maiores.
Cansou-se o mundo a estudar
e os sábios morreram velhos
fartos de procurar remédios,
e nunca acharam o remédio de parar.
E inda eu hoje vivo no século XX
a ver desfilar burgueses
trezentas e sessenta e cinco vezes ao ano,
e a saber que um dia
são vinte e quatro horas de chatice
e cada hora sessenta minutos de tédio
e cada minuto sessenta segundos de spleen!
Ora bolas para os sábios e pensadores!
Ora bolas para todas as épocas e todas as idades!
Bolas pròs homens de todos os tempos,
e prà intrujice da Civilização e da Cultura!
Eu invejo-te a ti, ó coisa que não tens olhos de ver!
Eu queria como tu sentir a beleza de um almoço pontual
e a flicidade de um jantar cedinho
coas bestas da família.
Eu queria gostar das revistas e das coisas que não prestam
porque são muitas mais que as boas
e enche-se o tempo mais!
Eu queria, como tu, sentir o bem-estar
que te dá a bestialidade!
Eu queria, como tu, viver enganado da vida e da mulher,
e sem o prazer de seres inteligente pessoalmente!
Eu queria, como tu, não saber que os outros não valem nada
pra os poder admirar como tu!
Eu queria que a vida fosse tão divinal
como tu a supões, como tu a vives!
Eu invejo-te, ó pedaço de cortiça
a boiar à tona dágua, à mercê dos ventos,
sem nunca saber que fundo que é o Mar!
Olha para ti!
Se te não vês, concentra-te, procura-te!
Encontrarás primeiro o alfinete
que espetaste na dobra do casaco,
e depois não percas o sítio,
porque estás decerto ao pé do alfinete.
Espeta-te nele para não te perderes de novo,
e agora observa-te!
Não te escarneças! Acomoda-te em sentido!
Não te odeies ainda quinda agora começaste!
Enioa-te no teu nojo, mastodonte!
Indigesta-te na palha dessa tua civilização!
Desbesunta te dessa vermência!
Destapa a tua decência, o teu imoral pudor!
Albarda te em senso! Estriba-te em Ser!
Limpa-te do cancro amarelo e podre!
Do lazareto de seres burro!
Desatrela-te do cérebro-carroça!
Desata o nó-cego da vista!
Desilustra-te, descultiva-te, despole-te,
que mais vale ser animal que besta!
Deixa antes crescer os cornos que outros adornos da
Civilização!
Queria-te antes antropófago porque comias os teus
– talvez o mundo fosse Mundo
e não a retrete que é!
Ahi! excremento do Mal, avergonha-te
no infinitamente pequeno de ti com o teu papagaio:
Ele fala como tu e diz coisas que tu dizes
e se não sabe mais é por tua culpa, meu mandrião!
E tu, se não fossem os teus pais,
davas guinchos, meu saguim!
- Tu és o papagaio de teus pais!
Mas há mais, muito mais
que a tua ignorância-miopia te cega.
Empresto-te a minha Inteligência.
Vê agora e não desmaies ainda!
Então eu não tinha razão?
Pra que me chamavas doido
quando eu menjoava de ti?
Ah! Já tens medo?!
Porque te rias da vida
e ias ensuorar as vrilhas nos fauteuils das revistas
coas pernas fogo de vistas
das coristas de petróleo?
Porque davas palmas aos compéres e actorecos
pelintras e fantoches
antes do palco, no palco e depois do palco?
Ora dize-Me com franqueza:
Era por eles terem piada?
Então era por a não terem
Ah! Era pra tu teres piada, meu bruto?!
Porque mandaste de castigo os teus filhos prás Belas-Artes
quando ficaram mal na instrução primária?
Porque é que dizes a toda a gente que o teu filho idiota
estuda pra poeta?
Porque te casaste com a tua mulher
se dormes mais vezes coa tua criada?
Porque bateste no teu filho quando a mestra
te contou as indecências na aula?
Não te lembras das que tu fizeste
com a própria mestra de moral?
Ou queres tu ser decente,
tu, que tens dezanove filhos?!
Porque choraste tanto quando te desonraram a filha?
Porque lhe quiseste matar o amante?
Não achas isto natural? Não achas isto interessante?
Porque não choraste também pelo amante?...
Deixa! Deixa! Eu não te quero morto com medo de ti-próprio!
Eu quero-te vivo, muito vivo, a sofrer!
Não te despetes do alfinete!
Eu abro a janela pra não cheirar mal!
Galopa a tua bestialidade
na memória que eu faço dos teus coices,
cavalga o teu insecticismo na tua sela de D. Duarte!
Arreia-te de Bom-Senso um segundo! peço-te de joelhos.
Encabresta-te de Humanidade
e eu passo-te uma zoologia para as mãos
pra te inscreveres na divisão dos Mamíferos.
Mas anda primeiro ao Jardim Zoológico!
Vem ver os chimpanzés! Acorpanzila-te neles se te ousas!
Sagra-te de cu-azul a ver se eles te querem!
Lá porque aprendeste a andar de mãos no ar
não quer dizer que sejas mais chimpanzé que eles!
Larga a cidade masturbadora, febril,
rabo decepado de lagartixa,
labirinto cego de toupeiras,
raça de ignóbeis míopes, tísicos, tarados,
anémicos, cancerosos e arseniados!
Larga a cidade!
Larga a infâmia das ruas e dos boulevards
esse vaivém cínico de bandidos mudos
esse mexer esponjoso de carne viva
Esse ser-lesma nojento e macabro
Esse S ziguezague de chicote auto-fustigante
Esse ar expirado e espiritista...
Esse Inferno de Dante por cantar
Esse ruído de sol prostituído, impotente e velho
Esse silêncio pneumónico
de lua enxovalhada sem vir a lavadeira!
Larga a cidade e foge!
Larga a cidade!
Vence as lutas da família na vitória de a deixar.
Larga a casa, foge dela, larga tudo!
Nem te prendas com lágrimas, que lágrimas são cadeias!
Larga a casa e verás - vai-se-te o Pesadelo!
A família é lastro, deita-a fora e vais ao céu!
Mas larga tudo primeiro, ouviste?
Larga tudo!
– Os outros, os sentimentos, os instintos,
e larga-te a ti também, a ti principalmente!
Larga tudo e vai para o campo
e larga o campo também, larga tudo!
– Põe-te a nascer outra vez!
Não queiras ter pai nem mãe,
não queiras ter outros nem Inteligência!
A Inteligência é o meu cancro
eu sinto-A na cabeça com falta de ar!
A Inteligência é a febre da Humanidade
e ninguém a sabe regular!
E já há Inteligência a mais pode parar por aqui!
Depois põe-te a viver sem cabeça,
vê só o que os olhos virem,
cheira os cheiros da Terra
come o que a Terra der,
bebe dos rios e dos mares,
- põe-te na Natureza!
Ouve a Terra, escuta-A.
A Natureza à vontade só sabe rir e cantar!
Depois, põe-te a coca dos que nascem
e não os deixes nascer.
Vai depois pla noite nas sombras
e rouba a toda a gente a Inteligência
e raspa-lhos a cabeça por dentro
coas tuas unhas e cacos de garrafa,
bem raspado, sem deixar nada,
e vai depois depressa muito depressa
sem que o sol te veja
deitar tudo no mar onde haja tubarões!
Larga tudo e a ti também!
Mas tu nem vives nem deixas viver os mais,
Crápula do Egoísmo, cartola despanta-pardais!
Mas hás-de pagar-Me a febre-rodopio
novelo emaranhado da minha dor!
Mas hás-de pagar-Me a febre-calafrio
abismo-descida de Eu não querer descer!
Hás-de pagar-Me o Absinto e a Morfina
Hei-de ser cigana da tua sina
Hei-de ser a bruxa do teu remorso
Hei-de desforra-dor cantar-te a buena-dicha
em águas fortes de Goya
e no cavalo de Tróia
e nos poemas de Poe!
Hei-de feiticeira a galope na vassoura
largar-te os meus lagartos e a Peçonha!
Hei-de Vara Magica encantar-te Arte de Ganir
Hei-de reconstruir em ti a escravatura negra!
Hei-de despir-te a pele a pouco e pouco
e depois na carne-viva deitar fel,
e depois na carne-viva semear vidros,
semear gumes,
lumes,
e tiros.
Hei-de gozar em ti as poses diabólicas
dos teatrais venenos trágicos do persa Zoroastro!
Hei-de rasgar-te as virilhas com forquilhas e croques,
e desfraldar-te nas canelas mirradas
o negro pendão dos piratas!
Hei-de corvo marinho beber-te os olhos vesgos!
Hei-de bóia do Destino ser em brasa
e tua náufrago das galés sem horizontes verdes!
E mais do que isto ainda, muito mais:
Hei-de ser a mulher que tu gostes,
hei-de ser Ela sem te dar atenção!
Ah! que eu sinto claramente que nasci
de uma praga de ciúmes.
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo
e a Alma dos Bórgias a penar!...
Fonte: http://www.luso-poemas.net/modules/newbb/viewtopic.php?topic_id=356&forum=28
©2008. Todos os direitos reservados
Saturday, July 19, 2008
O MEU VOTO
O MEU VOTO
António Pedro Ribeiro
Os meus amigos anarquistas e situacionistas defendem a abstenção nas eleições por entenderem que ao irmos votar estamos a legitimar a democracia burguesa. Compreendo perfeitamente essa posição. Mas penso que nas próximas eleições legislativas é importante votar para derrotar José Sócrates. José Sócrates representa o capitalismo no estado bruto com tiques repressivos e robóticos. José Sócrates governa contra os trabalhadores, contra os professores, contra os desempregados, contra a Função Pública. José Sócrates é um inimigo da vida, um ser que tresanda a morte. Importa derrotá-lo.
António Pedro Ribeiro
Os meus amigos anarquistas e situacionistas defendem a abstenção nas eleições por entenderem que ao irmos votar estamos a legitimar a democracia burguesa. Compreendo perfeitamente essa posição. Mas penso que nas próximas eleições legislativas é importante votar para derrotar José Sócrates. José Sócrates representa o capitalismo no estado bruto com tiques repressivos e robóticos. José Sócrates governa contra os trabalhadores, contra os professores, contra os desempregados, contra a Função Pública. José Sócrates é um inimigo da vida, um ser que tresanda a morte. Importa derrotá-lo.
SE ME PAGARES UMA CERVEJA ESTÁS A FINANCIAR A REVOLUÇÃO
O Arlindo dá-te os bons dias
o Rocha ficou, uma vez mais, a xonar
é Sábado de manhã
e eu estou outra vez cheio de speed
queria ir a Lisboa ver o Lou Reed
queria ir a Paredes de Coura ver os Sex Pistols
mas fico aqui nesta cidade
não fui feito para andar atrás do dinheiro
não fui feito para andar atrás do trabalho
nem tenho uma mentalidade produtivista
o Sócrates que vá trabalhar!
Mulher que me encantas quando soltas a anarquia
pela noite dentro
quando falas do broche de Deus
em jantares de família
apetece-me beijar-te em frente a toda a gente
apesar de estares comprometida
continua com esse pedal, miúda,
continua a pagar-me cervejas
estás a financiar a anarquia
passei meses junto dos livros
e agora volto à cidade
à assembleia ateniense
a palavra flui
troco retórica com os outros cidadãos
e os media vem ter comigo ao "Vip"
há quem diga que me descuidado no trabalho
de depuração dos versos e com razão
ah! No TRABALHO de depuração dos versos
afinal sempre é trabalho
pena que não seja remunerado
pago à letra
uma cerveja por um poema!
olha que se me pagares uma cerveja
estás a financiar a revolução
olha que Deus anda a fazer-me broches
olha que as mulheres gostam de mim
apesar de muitas não compreenderem onde quero chegar
olha que hoje me sinto absolutamente livre
olha que posso ter discussões violentas
olha que se me pagares uma cerveja
estás a financiar a revolução
olha que eu quero ser remunerado ao copo
olha que quando sou levado pela loucura
não tenho limites
olha que cheguei à conclusão que não posso ser político
se fosse eleito deputado era apanhado com brutas bebedeiras
em cenas non-sense e altamente maradas
olha que não atino com direcções
nem com comités centrais
olha que gosto de mandar uns berros
olha que não suporto presidentes de Câmara
nem de Junta
olha que gosto de ser provocatório
olha que tenho a escola da rua
olha que me tornei um punk
olha que não me importo de viver à custa da Segurança Social
ou do caralho que seja
olha que estou, de novo, na estrada do excesso
olha que se me pagares uma cerveja
estás a financiar a revolução
olha que até tenho a retórica
olha que rompi com o Bloco de Esquerda
porque não sou social-democrata
olha que já andei a incendiar carros
olha que simpatizo com os situacionistas,
com os surrealistas e com os dadaístas
olha que deixei de andar deprimido
olha que gosto de gozar com o quotidiano
e com o proletariado
olha que sou considerado perigoso
e tenho ficha na Judiciária
olha que há dias em que ando sem limites
olha que acho imbecil essa merda do casamento,
do estatuto e da carreira
apesar de ter estudado Sociologia
olha que Deus me anda a fazer broches
olha que se me pagares uma cerveja
estás a financiar a revolução.
Thursday, July 17, 2008
O MEU CORPO
O meu corpo,
despudoradamente à deriva
suado de carícias ao largo da ilha de vieques
o meu saco cor de areia as fotografias polaroid
os teus cadernos de capa dura as gambas grelhadas.
Fuck you jack, fuck you gritaste distante e fria
em central park oeste e em riverside drive
por mil dólares escreveste
oh yeah love you so much dear, oh yeah!
o meu corpo,
por entre poeira e ruínas em siracusa e em santorino
com tanta sede e james brown tanta fome e la isla bonita
tomou o teu corpo mostarda em lume brando
à sombra da velha magnólia
e doravante só bebemos chá verde
aborrecemo-nos e amámo-nos
olhámos as cartas e os postais ilustrados
e com gestos feios rasgámos tudo
recebemos os créditos e gastámos tudo
mas prometemos amar os líquidos intensamente,
rios e fontes mares e lagos, poças e charcos
– até o lodo e a lama –
peixes e algas o plâncton
e o vento
e em são diego na velha casa do teu avô paterno
disseste nice to be with you
o teu corpo
à margem da lei embarcámos num avião para a guiana
seduzimos um ou dois estranhos louros ou magenta
e adorámos as auroras as romãs e os cravos
mas
estávamos presos da tua boca cheia de grandes sexos
os meus olhos cheios da tua boca
com nódoas de guacho e manchas de sumo de maré vazia
e um nevoeiro azulado entrou pelo nosso quarto
misturando odores
a primavera entrou na nossa casa
e nunca a recusámos a um estrangeiro
até que um dia partiram todos
e o mar ficou tingido de púrpura
e nós também partimos
e voltámos por outro caminho
outro oceano
mais calmos intransigentes.
O meu corpo,
deitei o meu corpo no teu jardim constelação de nomes
sobre os espinhos de uma roseira
e permaneci imóvel por um ano
e tu serviste-me café com leite e biscoitos
they’ll buy my story disseste
a tua história kinky e a minha arte fauve
e rejubilei com a tua história
plena de sórdidos detalhes
very kinky indeed
e partimos logo a seguir para a ilha de elba
onde tinham nascido crianças muito ruivas
ouvimos tiros e dançámos
nas frias noites de outubro
molhados em leite de cabra e genebra
tu fizeste amor com ícaro orfeu orestes
com todos os deuses
eu dormia todas as sestas
com desenhos por acabar e uma caixa de aguarelas sennelier
e quando chegaram políticos para uma reunião tu coraste
alugámos um barco com mestre de navegação e vela
e zarpámos rumo ao arco-íris
o inverno era já no dia seguinte
queríamos
passá-lo entre cores nunca entre corpos
e beijámo-nos na porta do chemical bank.
Love you so much! disseste
e compraste-me – thanks disse eu –
um pacote de cigarros king size e duas laranjas
rodopiámos toda a noite entre nuvens de algodão e água pura
e perseguiste lesta algumas cores do céu
o amarelo o azul e o branco
e descoloriste o céu
sentada na balaustrada da casa que alugámos na praia espanhola
não mintas, eu vi.
O mar ao largo rugindo a embalar meridianos e trópicos
tínhamos no colo um gato e uma mulher adormecida
e não sabíamos que fazer com ele com ela
quando, atrevida, uma ave te roçou pelo rosto a fina plumagem
tu disseste enough vamos falar outra língua
aqui as mulheres fazem amor com as estrelas
e eu disse enough aqui não há estrelas
e as mulheres com mamilos claros são peixes dourados
em aquários de plástico
e queríamos morrer nessa tarde e ressuscitar mais tarde
noutro dia qualquer nesse em que
lias um poema fascinada
eu era todo gargalhadas e mergulhámos no oceano morno
havia uma grande ânfora com muitas fotografias
com detalhes muito belos
o meu cabelo os teus lábios a tua ansiedade
a minha preguiça nós
uma velha moldura portátil com o retrato dos teus filhos
um bilhete de comboio usado
e escreveste uma novela em duas horas e meia
eu assobiei de espanto
e era o fim do mundo mas encolhemos os ombros
então já tinhas redigido um diário
a partir do dia da nossa morte
e vivemos por minutos numa cidade onde fomos comprar tinta preta
e as ruas do sítio encheram-se do nosso suor perfumado... boreal.
O meu corpo, sempre o meu corpo,
coxas de frango assado foram o meu jantar e o meu almoço
torradas o meu pequeno-almoço e todas as refeições
e assim correram os dias
enquanto
não te libertavam na cidade
e quando regressaste finalmente
eu tinha já confeccionado uma dezena de pudins instantâneos
e celebrámos em festa
estávamos nus e fomos aplaudidos
por homens e mulheres muito belas
que apreciaram o meu e o teu corpo
e nos mordiscaram as nádegas o peito e as mãos.
Adoravam estranhos deuses paradoxais
eleitos por sufrágio universal
e não provaram os nossos sexos
porque não tinham aprendido o sabor das tempestades
e publicaram tudo nos jornais do dia seguinte.
Disgusting disseste
e nessa madrugada recebi várias revistas por assinatura
e um bandolim
não nos beijávamos há dias eu deambulava
em tons de rosa ébrio disfarçado de mosca varejeira
tu cosias toalhas numeradas de um a três milhões
para embrulhar o amor disseste
para emparedar o desespero oh it’s so great disseste
e fomos arrastados por uma vagina cega
com lábios de borracha
por caminhos desconhecidos, montanhas vales e desertos
parámos nas margens de um rio grande muito grande
entre el paso e laredo
tu construiste uma torre de londres e eu uma de belém
e sob um calor tórrido uma rapariga índia muito magra ofereceu-nos figos de piteira e chapéus de palha
não nos amávamos nesses dias mas ensaiámos
nos degraus da escada da grande mansão abandonada
tu descobrias o seio esquerdo redondo cheio muito branco
ela molhava o teu vestido florido com iogurte artesanal
tu acariciavas-me
ela soltava gargalhadas finas eu olhava o tempo
e radiantes entrávamos e saíamos da idade adulta
com a mesma ligeireza
com que percorríamos o mundo dos crisântemos
dos narcisos e dos asfaltos
loucos por sermos e brincarmos tanto
com skates de baquelite e papagaios de papel
it’s over então disseste
o meu corpo,
e num saco cheio de chuva e diamantes
a poesia voltou
com palavras menos céleres
eu tinha terminado alguns desenhos de girassóis
crescendo sorrateiramente
e tu consagraste até uma pequena história
à escultural rebeldia do meu pénis
jónico ou dórico ou algo assim disseste
god bless you
eu recolhia os lápis era meia-noite
nem cinzas esvoaçaram ao vento nem estávamos extintos
e no entanto os cheques fluíram tínhamos novos amantes
ainda mais belos
muitos cigarros as tuas canetas a tinta negra
as fotografias polaroid e a moldura
o meu saco as tuas toalhas
eu ancorado na tua lua lugar galáxia
loved you so much disseste.
E o nosso mundo tinha acabado entretanto
tínhamos encolhido os ombros
enfim a terra inteira era o mar mediterrânico
ardendo em labaredas tépidas
o gato estava ao meu colo e a mulher no teu
e do outro lado dos binóculos gigantes
neptuno estava vestido de púrpura
talvez em santorino em siracusa ou em vieques
abraçados os três.
Adios baby!
Manuel Rialto, 1988
in FRENESI
VIA http://antologiadoesquecimento.blogspot.com
Tales de Mileto caiu para dentro de um poço enquanto caminhava distraído a contemplar os astros. Os Pitagóricos, que tinham da música uma concepção essencial, julgando a astronomia uma teoria da música celeste, não comiam carne porque receavam poder “devorar o corpo de um parente ou de um amigo reincarnado num animal”. Curioso que Heraclito julgasse Pitágoras o rei dos tagarelas. Conta Diógenes Laércio que, depois de ter contraído hidropisia, em coerência com a sua teoria segundo a qual o fogo era o elemento a partir do qual tudo se explicava, Heracltio “fechou-se num estábulo, pensando que o calor do estrume faria desaparecer a água que o atormentava”. Xenófanes de Cólofon teve uma vida errante e dedicou-se à poesia, queixando-se dos modos efeminados dos seus concidadãos e do desprezo votado aos filósofos em favor dos campeões do estádio. Atribuem-lhe a primeira tentativa de desmitologização. Empédocles foi um vagabundo que se reclamava capaz de dar ordens à própria morte. Conta-se que curava a cólera recitando versos da Odisseia, acreditava no poder curativo da música e ressuscitou uma mulher que já não respirava há trinta dias. O fenómeno explica-se, na actualidade, atribuindo à mulher um problema de histeria. Diz a lenda que mergulhou na cratera do Etna com o objectivo de se purificar no fogo. O Etna terá cuspido uma das suas sandálias de bronze. Zenão de Cício, fundador do estoicismo, foi discípulo do cínico Crates, que certo dia o submeteu a uma prova para o ensinar a desprezar a opinião pública: “achando-o muito reservado, deu-lhe um pote de puré de lentilhas para transportar através do bairro da Cerâmica; Zenão, confuso, tentou esconder-se; Crates partiu com uma paulada o pote, o puré derramou-se sobre as pernas de Zenão que fugiu muito envergonhado”. Homem tímido e reservado, este Zenão era um tipo generoso. Dava lições a qualquer um e não cobrava nada por isso. Certo dia, ao sair da escola, caiu e partiu um dedo. Tendo visto nisso um sinal, sacudiu a terra das mãos, estrangulou-se e morreu. Foi enterrado no bairro da Cerâmica. O seu sucessor, Cleanto, era tão pobre que escrevia em cacos e em omoplatas de boi os ditos do seu mestre. Morreu velho, recusando-se a voltar a comer depois de ter contraído um tumor numa gengiva. Perante tudo isto, não admira que Crisipo tenha morrido a beber vinho doce ou, segundo outra versão, “depois de ter rebentado a rir ao ver um burro a comer figos”.
Fontes: Jean Brun, Os Pré-Socráticos, trad. Armindo Rodrigues, Edições 70, Lisboa, 1991; O Estoicismo, trad. João Amado, Edições 70, Lisboa, 1986.
Saturday, July 12, 2008
SEX PISTOLS
Sex Pistols - O punk é quem mais ordena
Num ano e meio, com dois singles e um álbum, deram arranque à revolução punk e transformaram para sempre a face do rock'n'roll. Lendários, gordos e cinquentões, os SEX PISTOLS andam a celebrar o legado mundo fora. Texto: Mário Lopes *
Estou gordo, tenho 52 anos e estou de volta". Não será surpreendente que Johnny Rotten, considerado há três décadas "a maior ameaça para a juventude [inglesa] desde Hitler", se dirijam daquela forma ao público de Paredes Coura, quando os Sex Pistols, dia 31 de Julho, ali se apresentarem. Foi precisamente isso que disse à entrada de um dos concertos que deu o ano passado na Brixton Academy, em Londres. Não estava lá para enganar ninguém, não estará cá para o fazer.
Imaginemo-los: Johnny Rotten, o guitarrista Steve Jones, o baterista Paul Cook e o baixista Glen Matlock atirando-se furiosamente a "Anarchy in the UK" e furando a realeza com alfinete de ama em "God Save The Queen". Sex Pistols: ícone maior do punk, banda charneira da história do rock. Sex Pistols: Gordos, cinquentões e de regresso.
Revelaram-se com estrondo em 1976 e o mundo não parou para os ver. Precisamente o contrário: o mundo rodou a velocidade supersónica enquanto uma geração destruía os alicerces do passado com três acordes, palavras de ordem cuspidas, t-shirts rasgadas e cabelo espetado. O punk não queria tomar o poder, queria destruí-lo. Das ruas para as ruas, das pessoas para as pessoas.
Mais de três décadas depois, os Sex Pistols ainda andam a celebrá-lo mundo fora. Em 1996, deixaram explícito ao que vinham no título da digressão, "The Filthy Lucre Tour". O ano passado, planearam celebrar o trigésimo aniversário do álbum Never Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols com um concerto na Brixton Academy, em Londres, a 8 de Novembro. Como os concertos esgotaram num par de minutos, decidiram marcar outra data - como esgotaram novamente, eles marcaram outra e outra e outra. Acabaram por tocar cinco dias na sala londrina e por mais dois em Manchester e Glasgow.
A instituição que cospe nas instituições sabota constantemente a sua reputação e, com isso, mantém-se lendária. Só isso explica que Johnny Rotten, actualmente um magnata do imobiliário em Los Angeles, homem que, em 2004, foi um dos participantes do reality show britânico I'm A Celebrity!... Get Me Out Of Here , mantenha o seu estatuto impoluto. Pode ter gasto recentemente uma fortuna no tratamento da dentição, cujo mau estado era quase uma imagem de marca, mas continua a ser Johnny Rotten, figura central de um movimento que se fundou como música mas cujo impacto a ultrapassou grandemente.
Até o baixista Glen Matlock, expulso dos Pistols em Fevereiro de 1977 e substituído pelo icónico Sid Vicious, emergirá como o homem certo no sítio certo. Sid era uma personagem de poster, a representação máxima da atitude niilista e alienada que o conduziria à auto-destruição. A relação tumultuosa com a namorada, a groupie americana Nancy Spungen, alimentada a heroína e destruída com o corpo dela, esfaqueado, jazendo num quarto do Chelsea Hotel, em Nova Iorque, tornar-se-ia símbolo dessa vivência excessiva. Sid Vicious, ao contrário dos Sex Pistols que veremos em Paredes de Coura, nunca poderia chegar a ser gordo, ter 52 anos e estar de volta.
A boutique da anarquia
Por paradoxal que possa parecer, toda esta história começa numa boutique. Chamava-se SEX e era propriedade da estilista Vivianne Westwood e do seu companheiro Malcolm McLaren, empresário que, depois de ter falhado rotundamente na transformação dos proto-punks New York Dolls em fenómeno de massas, utilizaria exactamente os mesmos métodos sensacionalistas em Inglaterra, desta vez com o efeito oposto.
Para uma comunidade juvenil pouco interessada nos cabelos compridos e na retórica "hippie" que subsistiam em meados de 1970, a SEX funcionava como ponto de encontro. Ali, a jukebox passava os New York Dolls ou Alice Cooper. Ali, promovia-se uma nova estética, parcialmente inspirada no rockabilly dos anos 50, feita de t-shirts rasgadas, correntes de metal e cabedal coçado. Reuniam-se adolescentes presos ao aborrecimento do quotidiano e à falta de perspectivas numa Inglaterra em crise económica: não queriam a vida pré-programada dos pais, não acreditavam na utopia "peace & love" dos irmãos mais velhos, não ouviam música que achassem relevante na rádio, na televisão ou nas ruas.
* Jornalista. Escreve todas as sextas-feiras no suplemento Ípsilon, do jornal Público.
Leia o artigo completo na BLITZ de Julho.
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