SUGESTÕES DE LEITURA PARA JANEIRO por António Pedro Ribeiro
“Assim Falava Zaratustra“ - Friedrich Nietzsche, Relógio D’ Água Editores
Longo poema profético, anti-Bíblia, assim se pode caracterizar “Assim Falava Zaratustra”, a obra imortal de Friedrich Nietzsche.
“Zaratustra” é uma crítica ao cristianismo e às sociedades do rebanho. Não se dirige ao que se dilui na multidão, ao que age sempre como os outros agem, ao que não tem rosto, ao que não possui o poder de uma vontade afirmativa. Não faz a apologia dos pobres, dos humildes, dos doentes, dos fracos nem promete o Reino dos Céus. O profeta Zaratustra nega o Reino dos Céus e proclama a morte de Deus. A morte de Deus representa o fim e o declínio da formulação de Deus que a metafísica clássica ocidental construiu. A ideia de Deus para o cristianismo corresponde a um sistema de valores que, segundo Nietzsche, o homem deveria abandonar e substituir por outro. A resignação, a docilidade, a simplicidade e o servilismo seriam substituídos pelo orgulho, pelo egoísmo, pela vontade de potência, pela sensualidade e pela nobreza de espírito. O homem procede à transvalorização de todos os valores. Mas não qualquer homem. O homem superior, o super-homem. Zaratustra fala aos vencedores, aos afirmadores da vida, aos que querem viver o aqui e o agora, aos que têm a Terra como único reino. Zaratustra opõe-se aos sacerdotes e aos moralistas, aos “acusadores da vida”, aos que negam e detestam a vida, aos que reprimem e condenam a volúpia, aos que associam as paixões e as pulsões vitais ao diabo e ao pecado, aos que pregam o Outro Mundo. Celebra a carnalidade, a vida vivida, a sensualidade, o simples gozo de existir.
“Zaratustra” é também um hino à liberdade, à liberdade de criação, ao espírito livre. O homem superior é um menino e um grande bailarino. “É aquele que não tem preconceitos, que faz da vida um jogo permanente, que se passeia na corda-bamba do devir”. O menino, a criança é o criador de novos valores, é o espírito livre. O querer liberta. A vontade que cria é libertadora. O homem superior é o homem livre.
“Memórias de um Alcoólico“ - Jack London, Edições Antígona
“Os devotos de John Barleycorn são assim. Quando lhes bate à porta a boa sorte, bebem. Quando não têm sorte, bebem na esperança de boa sorte. Se a sorte é madastra, bebem para esquecer. Se encontram um amigo, bebem. Se discutem com um amigo e perdem essa amizade, bebem. Se os seus assuntos amorosos são coroados de sucesso, ficam tão felizes que é obrigatório beberem. Se forem abandonados, bebem pela razão contrária. E se não têm nada para fazer, pois bem, tomam uma bebida, seguros de que, quando tiverem tomado um número suficiente de bebidas, as larvas começarão a rastejar nos seus cérebros e não terão mãos a medir com coisas para fazer. Quando estão sóbrios querem beber, e, quando bebem, querem beber mais.”
“Memórias de um Alcoólico” de Jack London é um tratado quase sociológico e sem falsos moralismos acerca do consumo do álcool e do alcoolismo. London descreve magistralmente a vida de “saloon” no início do séc. XX e a sua relação com o álcool. A bebida como sinal de virilidade e de sociabilização, a bebida ao lado da aventura e do romance, a bebida como símbolo de camaradagem, a dependência e os efeitos, está tudo na prosa de London que, em conclusão, defende a proibição do álcool.
“Guy Debor“ - Anselme Jappe, Edições Antígona
Anselm Jappe analisa o percurso teórico do principal mentor da Internacional Situacionista, Guy Debord.
Vivemos numa sociedade-espectáculo, uma sociedade marcada pela contemplação passiva de imagens, escolhidas por outros, que substitui a vivência e a capacidade de modificar os acontecimentos por parte do individuo. O espectáculo torna a comunicação exclusivamente unilateral, é aquele que fala enquanto os outros se limitam a escutar. A separação está na base do espectáculo. Às celebridades, aos actores ou aos políticos cabe representar os aspectos ausentes da vida pobre e desinteressante dos restantes indivíduos. Em todas as esferas da vida a realidade é substituída pela sua imagem.
Não é do homem e das suas obras que o espectáculo trata mas da mercadoria e das suas paixões. Toda a vida humana se submeteu às leis da economia. A Internacional Letrista, os situacionistas e a arte, a crítica da vida quotidiana, os situacionistas e os anos 60, Maio de 68 e depois e o mito Debord são outros dos temas abordados.
Sunday, June 28, 2009
A VIDA NÃO É ISTO
Agora anda tudo com medo dos chineses
os chineses controlam o mercado
os chineses vão ser os novos donos do mundo
morte aos chineses!
O povo fala e fala
o povo está contaminado pela linguagem económica
instala-se o medo
o pessoal tem medo
agora são os chineses
puta de vida imbecil que esta gente leva!
Comer, beber
arrotar disparates
e ser comido pelo patrão e pelo governo
e pelos economistas
sempre atrás dos tostões e do "Euromilhões"
puta de vida imbecil que esta gente leva!
Não, não nasci para isto
estou acima disto
vá lá que ainda há umas meninas simpáticas
mas é pouco
não chega
a vida não é isto.
Ando de Vilar do Pinheiro a V.N. Telha, a Pedras Rubras e faço uma longa viagem. Entro nos tascos como se fosse Cristo, como se fosse um profeta. Influências da Bíblia que ando a ler há dias. Não posso estar sempre no mesmo sítio. Não posso estar sempre na "Motina", D. Rosa. Na televisão é só gajas boas. Apetece comê-las. Olho para as horas. Seriam horas de me embriagar se houvesse dinheiro ou se o àlcool fosse de borla. Só me posso embriagar de café. E essa é a droga que me basta para escrever.
Saturday, June 27, 2009
HENRI MICHAUX
«Maldito»
Henry Michaux
(Namur, 24 de Maio de 1899 - Paris, 18 de Outubro de 1984)
Dentro de seis meses ao mais tardar, ou se calhar amanhã, estarei cego. É a minha triste, triste vida que continua.
Os que me puseram no mundo ham de mas pagar, dizia eu comigo antigamente.,Até hoje ainda nom pagaram. Porém, eu agora tenho de me apartar dos meus dous olhos. A sua perda definitiva há de me livrar de atrozes sofrimentos, é tudo o que se pode dizer.
Depois é só o tempo de fazer inutilmente algumas experiências com nitrato de prata, e acaba-se como eles.
Há nove anos, a minha mae disse-me: «Preferia que nom tivesses nascido».
Henry Michaux
(Namur, 24 de Maio de 1899 - Paris, 18 de Outubro de 1984)
Dentro de seis meses ao mais tardar, ou se calhar amanhã, estarei cego. É a minha triste, triste vida que continua.
Os que me puseram no mundo ham de mas pagar, dizia eu comigo antigamente.,Até hoje ainda nom pagaram. Porém, eu agora tenho de me apartar dos meus dous olhos. A sua perda definitiva há de me livrar de atrozes sofrimentos, é tudo o que se pode dizer.
Depois é só o tempo de fazer inutilmente algumas experiências com nitrato de prata, e acaba-se como eles.
Há nove anos, a minha mae disse-me: «Preferia que nom tivesses nascido».
Friday, June 26, 2009
JIM MORRISON
Depois destes anos todos chego à conclusão que é com Jim Morrison que me identifico mais. Sucessor e leitor dos beatnicks, Morrison já dizia que "se a minha poesia pretende atingir alguma coisa, é libertar as pessoas dos limites em que se encontram e que sentem". Jim foi um revolucionário mas não um revolucionário tradicional. O poeta dos Doors apelou para o caos, não tinha uma cartilha pré-definida, não tinha de estar sempre lúcido nem de se portar sempre bem. Apelou para o caos porque entendia que era esse o caminho para a luz, para a liberdade. Deu ao rock a dimensão teatral. Era um xamã, aquele que entrava em contacto com os deuses e com a loucura. Não se contentava em cantar a paz e o amor como os hippies. Achava-os ingénuos. Queria chegar lá mas achava que tínhamos de atravessar o caos, "atravessar para o outro lado". Percorreu a estrada do excesso para alcançar a sabedoria, como indicou William Blake. Quis ultrapassar os limites. Entendia que a vida não se resume a uma fórmula única e irreversível, ao ganhar dinheiro. Revoltou-se contra a autoridade, contra a polícia. Foi um espírito livre, um menino e um bailarino no sentido nietzscheano.
Thursday, June 25, 2009
MAIAKOVSKI
a confraria dos escritores / vladimir maiakovski
Sem dúvida jamais me habituarei
a instalar-me na esplanada do «Bristol»,
beber chá,
contar histórias verso a verso –
tenho vontade de entornar os copos
e de trepar às mesas.
Escutai,
confraria literária!
Estais aí sentados,
os olhos mergulhados na chávena de chá.
Os vossos cotovelos estão luzidios à força de escrevinhar.
Levantai os olhos dos vossos copos por terminar.
Libertai as vossas orelhas das guedelhas.
Vós
colados ao papel
das paredes,
meus caros,
que fazeis vós com o verbo?
Sabíeis
que quando não escrevia
François Villon
era bandido?
Vós
que sois prudentes
mesmo para agarrar numa faca de cortar papel,
pensar que é a vós que está confiada a beleza do mais magnífico dos séculos!
Escrever ainda?
Hoje
a vida
é cem vezes mais interessante
mesmo a do último ajudante de notário.
Senhores poetas,
não estais já fartos
das páginas,
dos palácios,
do amor,
dos bosques de lilás?
Se chamam
criadores
a pessoas como vocês –
então quero lá saber da arte em geral.
Prefiro abrir uma loja.
Irei à Bolsa.
Os flancos eriçados com espessas toalhas.
Irei esvaziar a alma
berrando canções de bêbado
num privado de cabaré.
Será que uma pancada pode ter êxito sob os tufos de cabelo?
Um só pensamento
habita estes pêlos que nunca mais acabam:
«Pentear-se? Para quê?!
Por um momento não vale o esforço,
quanto a estar
eternamente bem penteado
é impossível».
Vladimir Maiakovski
33 Poesias
Quasi Edições, 2008
tradução de Adolfo Luxúria Canibal
por luís f. nunes no dia 25.6.09 0 comentários
retirado de http://mal-situados.blogspot.com
Sem dúvida jamais me habituarei
a instalar-me na esplanada do «Bristol»,
beber chá,
contar histórias verso a verso –
tenho vontade de entornar os copos
e de trepar às mesas.
Escutai,
confraria literária!
Estais aí sentados,
os olhos mergulhados na chávena de chá.
Os vossos cotovelos estão luzidios à força de escrevinhar.
Levantai os olhos dos vossos copos por terminar.
Libertai as vossas orelhas das guedelhas.
Vós
colados ao papel
das paredes,
meus caros,
que fazeis vós com o verbo?
Sabíeis
que quando não escrevia
François Villon
era bandido?
Vós
que sois prudentes
mesmo para agarrar numa faca de cortar papel,
pensar que é a vós que está confiada a beleza do mais magnífico dos séculos!
Escrever ainda?
Hoje
a vida
é cem vezes mais interessante
mesmo a do último ajudante de notário.
Senhores poetas,
não estais já fartos
das páginas,
dos palácios,
do amor,
dos bosques de lilás?
Se chamam
criadores
a pessoas como vocês –
então quero lá saber da arte em geral.
Prefiro abrir uma loja.
Irei à Bolsa.
Os flancos eriçados com espessas toalhas.
Irei esvaziar a alma
berrando canções de bêbado
num privado de cabaré.
Será que uma pancada pode ter êxito sob os tufos de cabelo?
Um só pensamento
habita estes pêlos que nunca mais acabam:
«Pentear-se? Para quê?!
Por um momento não vale o esforço,
quanto a estar
eternamente bem penteado
é impossível».
Vladimir Maiakovski
33 Poesias
Quasi Edições, 2008
tradução de Adolfo Luxúria Canibal
por luís f. nunes no dia 25.6.09 0 comentários
retirado de http://mal-situados.blogspot.com
Wednesday, June 24, 2009
O POETA
Nunca tiveste jeito para a vida prática
sempre foste desastrado com as ferramentas
e com as tarefas domésticas
além disso, sempre foste preguiçoso
o teu pai chamava-te a atenção
mas, se calhar, não foi para isso
que realmente vieste ao mundo
se os poetas tivessem o reconhecimento
que tinham na Grécia
a esta hora já eras um rei
nem sequer és um poeta como os outros
daqueles que escrevem uns versos
e publicam uns livros
e se contentam em aparecer nas boas editoras
e nas Feiras do Livro
e nos jornais e na televisão
tu queres mais
tu queres a glória
mas também o sublime
o espírito, a divindade
é isso que te mantém vivo
é isso que te faz correr
não precisas de estar com falsas modéstias
és um poeta
daqueles que também são profetas
daqueles que pregam na praça pública
daqueles que falam do alto da burra,
como dizia o teu pai
é por isso que estás aqui
é por isso que permaneces aqui
até que o espírito te leve
para outras paragens.
A SELECÇÃO DOS POEMAS
Há muito tempo que não deixava
um poema a meio
mas voltou a acontecer
estes poemas são todos capítulos
da mesma história
poderia escrevê-los em prosa
dividi-los em capítulos
e fazer um livro
mas há muito tempo que não deixava
um poema a meio
não deixa de ser estranho
não conseguir continuá-lo
nestes últimos poemas
tenho-me debruçado sobre o processo da escrita
sobre o acto de criação
a matéria-prima já existe na cabeça
basta passá-la para o papel
o processo nem sempre é racional
há coisas que escapam à razão
que vão contra a razão
o poeta está centrado em si próprio
e vai descrevendo o que se passa
à sua volta
a brasileira que varre
a patroa que se masturba no escritório
a gorda que vai ao WC
mas há coisas que não são descrições
que saem da cabeça do poeta
já tenho poemas e outros textos
mais do que suficientes
para fazer outro livro
até dois
mas tenho de seleccioná-los
o que não se afigura fácil
já são tantos
e eu nem sequer sou o melhor seleccionador.
Tuesday, June 23, 2009
O ESPÍRITO-2
Estar em permanente estado criativo
ser o próprio acto da criação
ser a própria Criação
o próprio Criador
em comunhão com as árvores
com os frutos
com a Terra
colher o fruto da Àrvore do Conhecimento
desafiar Deus
ser o próprio Deus
aquele que procura
olhar para os animais
amá-los como iguais
ser o criador e a criatura
deixar a vida rolar
deixar os gatos correr
sem interferir
ir ao fundo de mim mesmo
conhecer-me
eis tudo
o espírito.
Monday, June 22, 2009
INGEBORG BACHMANN
ingeborg bachmann / uma espécie de perda
Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-
mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi a ti,
perdi o mundo.
ingeborg bachmann
o tempo aprazado
(últimos poemas 1957-1967)
trad. judite berkemeier e joão barrento
assírio & alvim
1992
in http://canaldapoesia.blogspot.com
Saturday, June 20, 2009
MIÚDA
Miúda
Que há dois, três anos
Eras criança
E que agora me provocas
A mama meio desnudada
Gingando as ancas
A caminho do WC.
Miúda
Que me entonteces
Depois das cogitações revolucionárias
E das sedes vandalizadas
Miúda
Que me prendes ao café
Onde permaneces
Ao sabor da música carnavalesca
Que ecoa na cidade que janta deserta.
Vila do Conde, Carnaval 2004.
A. Pedro Ribeiro
Friday, June 19, 2009
AS GAJAS PASSAM
Queria beber mais
mas não posso
as gajas passam
mas não são minhas
o gordo imbecil
preenche a televisão
afinal, lá fora
há uma gaja
que dá vinho de borla
há que aproveitar!
Não perdi tempo
aqui está o vinho
na minha taça
quero uma gaja
para passar a noite
quero uma gaja
para ir noite fora
quero uma gaja
que me pague os copos
as gajas passam
mas não são minhas
também trazem
o vinho de borla
se tudo fosse de borla
é que era fixe
até já tremo das mãos
as gajas passam
mas não são minhas
as gajas passam
mas não são minhas
as gajas passam
mas não são minhas...
Wednesday, June 17, 2009
CHARLES BUKOWSKI
UM POEMA CRUEL
eles continuam a escrever
a despejar poemas –
jovens rapazes e professores universitários
mulheres que bebem vinho toda a tarde
enquanto os maridos trabalham,
eles continuam a escrever
com os mesmos nomes nas mesmas revistas
cada ano a escreverem pior,
publicam colectâneas de poesia
e despejam mais poemas
parece um concurso
é um concurso
mas o prémio é invisível.
eles não escrevem nem contos nem ensaios
nem romances
apenas
despejam poemas
todos parecidos com os dos outros
e cada vez menos originais,
e alguns dos rapazes cansam-se e desistem
mas os professores nunca desistem
e as mulheres que bebem vinho toda a tarde
nunca, mas mesmo nunca, desistem
e chegam outros rapazes com novas revistas
e há troca de cartas entre poetas e poetisas
alguns chegam a foder
e tudo é exagerado e aborrecido.
quando os poemas saem
eles reescrevem-nos
e enviam-nos para a próxima revista na lista,
e fazem leituras
todas as que conseguem fazer
a maior parte de borla
na esperança que alguém repare neles
que alguém os aplauda
lhes reconheça o talento
os felicite
eles estão convencidos da sua genialidade
há muito poucas dúvidas,
e muitos vivem no Grande Porto ou Grande Lisboa,
e as suas caras são como os poemas que escrevem:
semelhantes,
e conhecem-se uns aos outros e
reúnem e odeiam e admiram e escolhem e expulsam
e continuam a despejar mais poemas
mais e mais poemas
mais e mais poemas
o concurso dos pasmados:
tap tap tap, tap tap, tap tap tap, tap tap…
eles continuam a escrever
a despejar poemas –
jovens rapazes e professores universitários
mulheres que bebem vinho toda a tarde
enquanto os maridos trabalham,
eles continuam a escrever
com os mesmos nomes nas mesmas revistas
cada ano a escreverem pior,
publicam colectâneas de poesia
e despejam mais poemas
parece um concurso
é um concurso
mas o prémio é invisível.
eles não escrevem nem contos nem ensaios
nem romances
apenas
despejam poemas
todos parecidos com os dos outros
e cada vez menos originais,
e alguns dos rapazes cansam-se e desistem
mas os professores nunca desistem
e as mulheres que bebem vinho toda a tarde
nunca, mas mesmo nunca, desistem
e chegam outros rapazes com novas revistas
e há troca de cartas entre poetas e poetisas
alguns chegam a foder
e tudo é exagerado e aborrecido.
quando os poemas saem
eles reescrevem-nos
e enviam-nos para a próxima revista na lista,
e fazem leituras
todas as que conseguem fazer
a maior parte de borla
na esperança que alguém repare neles
que alguém os aplauda
lhes reconheça o talento
os felicite
eles estão convencidos da sua genialidade
há muito poucas dúvidas,
e muitos vivem no Grande Porto ou Grande Lisboa,
e as suas caras são como os poemas que escrevem:
semelhantes,
e conhecem-se uns aos outros e
reúnem e odeiam e admiram e escolhem e expulsam
e continuam a despejar mais poemas
mais e mais poemas
mais e mais poemas
o concurso dos pasmados:
tap tap tap, tap tap, tap tap tap, tap tap…
O SEXTO POEMA
Afinal hoje é que bato todos os recordes
já vou no sexto poema
e não dou sinais de fadiga
até estou a estrear o novo caderno
se estou em delírio
é um delírio contido
pelo menos até ver
é certo que há bocado na confeitaria
já estava em êxtase
agora estou em comunhão com os elementos
os gatinhos trepam as telhas
e fazem-me voltar à infância
esta era a casa da minha avó
não me tornei um profissional empenhado
como o meu pai ou como o meu tio
sempre fui preguiçoso
mas a preguiça é necessária à criação
os meus livros chegam a pouca gente
lá vou aparecendo nos jornais e nas feiras do livro
continuo a postar estas coisas no blogue
5 ou 10 gajos lêem
o que já não é mau
há quem prefira ficar no anonimato
as pessoas sabem que escreves
mas desconhecem a tua obra
as pessoas trabalham
e cansam-se
e tu escreves estas merdas
não és mais nem menos do que eles
apesar de, às vezes, te sentires sublime.
O PROFETA
Sou uma espécie de profeta
que escreve na confeitaria
à minha frente tenho o "Plexus" de Henry Miller
e o "Junky" de William Burroughs
as pessoas da aldeia olham para mim
como uma "avis rara"
um homem que passa a vida a escrever e a ler
e que só fala com o barbeiro e com a D. Rosa
um homem sem horários e sem trabalho
que se conheça
um homem de poucas palavras
que talvez um dia se vire para a multidão
e comece a pregar
um homem que vem dos tempos bíblicos
ou de Camelot ou da Grécia
um homem que às vezes vai à cidade
ter com os amigos
um homem de poucos sorrisos
que talvez esconda uma vida dupla
um homem que é simpático
mas não dá confiança
um homem que não entra
nas conversas da vidinha
um homem um bocado esquisito
que não liga ao dinheiro nem à riqueza
um homem tímido
de quem se desconhece a religião
um homem que, de longe a longe,
tem umas saídas que ninguém entende
como a de espetar um paralelo no vidro
da Junta de Freguesia ou de aparecer de madrugada
completamente bêbado caído na estrada
histórias do passado que já quase
ninguém lembra.
Tuesday, June 16, 2009
NIETZSCHE
NIETZSCHE
Ecce Homo
Sim, sei de onde venho!
Insatisfeito com a labareda
Ardo para me consumir.
Aquilo em que toco torna-se luz,
Carvão aquilo que abandono:
Sou certamente labareda.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
Sim, sei de onde venho!
Insatisfeito com a labareda
Ardo para me consumir.
Aquilo em que toco torna-se luz,
Carvão aquilo que abandono:
Sou certamente labareda.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
NIETZSCHE
Vocação de Poeta
Recentemente, ao repousar
Sob essa folhagem
Ouvi bater, tiquetaque,
Suavemente, como em compasso.
Aborrecido, fiz uma careta,
Depois, abandonando-me,
Acabei, como um poeta,
Por imitar o mesmo tiquetaque.
Ouvindo assim, upa,
Saltar as sílabas,
Desatei de repente a rir,
Durante um bom quarto de hora.
Tu poeta? Tu poeta?
Estarás assim mal da cabeça?
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Quem espero eu sob este arbusto?
Quem estarei a espreitar como um ladrão?
Uma palavra? Uma imagem?
Logo a minha ruína aparece.
Nada do que rasteja, ou que saltite
Escapa ao impulso dos meus versos,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
A rima é como uma flecha,
Que temor, que tremor,
Ao penetrar no coração,
Lagarto a contorcer-se!
Morrereis assim, pobres diabos,
Ou ficareis embriagados,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Versículos informes que se atropelam,
Pequenas palavras loucas, que efervescência
Até que, linha a linha,
Pendeis todas do meu tiquetaque.
Haverá espantalhos
A quem isso diverte? Os poetas serão impiedosos?
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz, Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Troças, Pássaro? Apetece-te rir?
O meu cérebro já tão doente,
Estará o coração ainda pior?
Ah! receia, teme o meu rancor.
Mesmo no íntimo da cólera,
O poeta rima a direito.
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
HENRY MILLER
O Espírito do Homem é Como um Rio que Procura o Mar
O espírito do homem é como um rio que procura o mar. Represem-no e aumentarão a sua força. Não responsabilizem o homem pelas suas explosões devastadoras! Condenem antes a força da vida! O espírito que nos anima pode assumir as mais diversas formas: tornar-nos semelhantes a anjos, a demónios ou a bestas. A cada um a sua escolha. Nada barra o caminho ao homem para além das fantasmagorias dos seus medos. O mundo é a nossa casa, mas teremos ainda que a ocupar; a mulher que amamos está à nossa espera, mas não sabemos onde encontrá-la; o atalho que buscamos está sob os nossos pés, mas não o reconhecemos. Quer sejamos deste mundo por muito ou pouco tempo, os poderes por explorar são ilimitados.
Henry Miller, in "O Mundo do Sexo"
O espírito do homem é como um rio que procura o mar. Represem-no e aumentarão a sua força. Não responsabilizem o homem pelas suas explosões devastadoras! Condenem antes a força da vida! O espírito que nos anima pode assumir as mais diversas formas: tornar-nos semelhantes a anjos, a demónios ou a bestas. A cada um a sua escolha. Nada barra o caminho ao homem para além das fantasmagorias dos seus medos. O mundo é a nossa casa, mas teremos ainda que a ocupar; a mulher que amamos está à nossa espera, mas não sabemos onde encontrá-la; o atalho que buscamos está sob os nossos pés, mas não o reconhecemos. Quer sejamos deste mundo por muito ou pouco tempo, os poderes por explorar são ilimitados.
Henry Miller, in "O Mundo do Sexo"
Monday, June 15, 2009
O PRIMEIRO-MINISTRO E AS GAJAS BOAS
Sunday, June 14, 2009
(Tradução) Poetae nascuntur - Que maravilhoso é o homem. Não sabendo nada sobre isso, afirma a existência de uma impossibilidade objectiva. Mesmo há pouco tempo, antes da invenção do telefone e telégrafo, os homens teriam afirmado ser impossível na Europa conversar com a América. Agora é possível. Não podemos produzir poetas, por isso, dizemos que é de nascença. Certamente não podemos fazer de uma criança um poeta forçando-o a estudar modelos literários, do mais antigo ao mais moderno. Nem ninguém nos ouvirá na América não importa quão alto gritemos aqui. Para fazer um poeta de um homem, ele não pode ser desenvolvido por caminhos normais. Talvez se deva mantê-lo afastado de livros. Talvez seja seja necessário executar nele uma operação aparentemente perigosa. Fracturar-lhe o crânio ou atirá-lo da janela do quarto andar. Abstenho-me de recomendar estes métodos como um substituto da pedagogia. Não é esse o ponto. Olhemos os grandes homens e os poetas. Excepto John Stuart Mill e alguns outros pensadores positivistas, que tinham pais experientes e mães virtuosas, nenhum dos grandes homens pode orgulhar-se, ou melhor, queixar-se, de uma educação apropriada. Nas suas vidas, quase sempre um papel decisivo foi desempenhado pelo acaso, acidente que a razão tornaria sem sentido, caso a razão pudesse alguma vez desafiar e levantar a sua voz contra o êxito evidente. Algo como uma crânio partido ou uma queda do quarto andar — não de forma metafórica, mas muitas vezes de forma absolutamente literal, comprovou ser o começo, normalmente escondido mas ocasionalmente admitido, da actividade dos génios. Mas repetimos automaticamente: poetae nascuntur, e convencemo-nos profundamente que esta verdade extraordinária é tão alta ele precisa de nenhuma verificação.
Leon Chestov
retirado de http://borntobewilde.blogspot.com
Leon Chestov
retirado de http://borntobewilde.blogspot.com
Saturday, June 13, 2009
E.M. DE MELO E CASTRO
Todos os poemas são visuais
porque são para ser lidos
com os olhos que vêem
por fora as letras e os espaços
mas não há nada de novo
em tudo o que está escrito
é só o alfabeto repetido
por ordens diferentes
letras palavras formas
tão ocas como as nozes
recortadas em curvas e lóbulos
do cérebro vegetal : nozes.
Os olhos é que vêem nas letras
e nas suas combinações
fantásticas referências
vozes sobretudo da ausência
que é a imagem cheia
que a escrita inflama
até ao fogo dos sentidos
e que os escritos reclamam
para se chamarem o que são
ilusões fechadas para
os olhos abertos verem
E.M. de Melo e Castro
porque são para ser lidos
com os olhos que vêem
por fora as letras e os espaços
mas não há nada de novo
em tudo o que está escrito
é só o alfabeto repetido
por ordens diferentes
letras palavras formas
tão ocas como as nozes
recortadas em curvas e lóbulos
do cérebro vegetal : nozes.
Os olhos é que vêem nas letras
e nas suas combinações
fantásticas referências
vozes sobretudo da ausência
que é a imagem cheia
que a escrita inflama
até ao fogo dos sentidos
e que os escritos reclamam
para se chamarem o que são
ilusões fechadas para
os olhos abertos verem
E.M. de Melo e Castro
Wednesday, June 3, 2009
GAJAS
Falam de gajas, sobretudo dos peitos e do traseiro porque o resto não interessa muito, e de futebol! Não ligam nenhuma à sua própria aparência porque afinal as gajas não os estão a ver. Enfrascam muito mais cerveja do que é habitual e a
jantar de gajas. gaja-mãe e gaja-filha. um final de tarde diferente, quebram-se regras e rotinas em dias de semana. vamos provar os tão afamados hamburgueres "low food" H3. fiquei fã e ainda por cima sem aditivos ou farinhas para ligar
Eu no reino das GAJAS (cont.) Eu sobrevivi. À primeira noite de ausência. A uma prova dura de amor. Sim sim porque aquela conversa de que volta e meia o gajo me chateia a cabeça, é mesmo só conversa. Ok? De modo, que hoje acordei entre
AS GAJAS BOAS NÃO VÃO ÀS MANIFESTAÇÕES. Leio os teus comentários e apetece-me escrever-te cartas à moda antiga. Cartas cheias de amor que me afastem desta merda toda. Ontem no "Pinguim" houve uma gaja que disse que eu só digo que isto é
E a FHM volta a estar em grande depois de algumas edições mais fracas, desta vez fori escolhida a actriz Carla Salgueiro que já nos tinha mostrado que estava.
Acredito no grito maldito, acredito na criação, acredito na rebelião mas também nas gajas bonitas. As gajas bonitas têm, mesmo que reprimido pela ideologia dominante, aquele jeito dionísiaco das bacantes, de dançar a noite toda.
Nesta altura do ano as gajas descascam-se todas e mostram as mamas. Um gajo vem ao café e quase tem erecções. É a vida. Antes assim do que o tédio do costume. É pena as gajas pertencerem a outros. Ou a nenhuns.
Se as gajas contassem a Liga dos Campeões era dele! by ZePiscinas on May.26, 2009, under Postes Sem Categoria Alguma. “Cristiano Ronaldo continua imparável no que toca à vida amorosa. Em menos de uma semana, o craque do Manchester
A discussão sobre a desajabilidade de gajas boas vs gajas intelectuais (ouvi-a ser recapitulada na estação no outro dia) foi mais que prefigurada por Malinowski e Lévi-Strauss. Malinowski defendia que os clãs escolhem os seus totems de
Olho para as outras gajas (sim, eu olho para as outras gajas, umas invejo o corpo outras olho com ar de vencedordo genero, eu sou melhor que tu toma toma!), e quando olho para as gajas que invejo (cambada de anóreticas) vejo que elas
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