Tuesday, April 14, 2009

A GAJA MOSTRA O FIO DENTAL


Regresso à "Motina". Parece que não estou com o pedal de ontem. O gajo nunca mais acaba de ler o jornal. A MAria agarra-se á caixa registadora. O gajo agora aponta endereços de empregos. A mim nenhum me serve. Não estou desempregado. Sigo as palavras de Agostinho da Silva. Talvez consiga fazer alguma coisa com os gajos do teatro. Sou um artista. Estou registado nas Finanças como artista. Há uns diálogos que publiquei nas "Aguasfurtadas" e na "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" que podem ser aproveitados. O gajo finalmente largou o jornal. Entrou uma gaja. Bebe um carioca. Atiro-me ao jornal. A gaja mostra o fio dental. Quando voltarão a publicar qualquer coisa sobre mim? Não deixo de ser narcisista. A gaja mostra o fio dental e provoca-me. As gajas falam baixo. Che na guerrilha abandonado pelo partido, traído pelos camponeses. Che romântico, Che D. Quixote. Abandonar todos os cargos, todas as comodidades para ir fazer a revolução noutras paragens. E a gaja continua a mostrar o fio dental. A imensa generosidade do guerrilheiro. Será que a gaja não se apercebe de que se está a mostrar tanto? O povo invade a confeitaria. A gaja continua a mostrar o fio dental. Amanhã vou ao "Púcaros" após duas semanas de ausência. Vendem-se bolos. A gaja continua a mostrar o fio dental. Já li o jornal. A queda da inflação pode agravar a crise. Ainda é cedo. Sentado na "Motina" preencho as horas. A gaja levanta-se. Lá se foi o fio dental. Resto eu e a Maria. A "Motina" quase deserta. Os outros trabalham, fazem pela vida. Eu limito-me a vir para aqui escrever e ler. A relatar o que vejo e a inventar coisas. Depois de uma tarde de deboche vem uma tarde rotineira. As barbas crescem. As horas passam. Este ano vou ao 25 de Abril. Desfilar na baixa. A bandeira nacional espetada na madeira. Ainda bem que aqui não há televisão. Não tenho de aturar os programas imbecis da tarde. Homem que escreve sem disciplina nem objectivos. O caderno vai-se preenchendo. A namorada telefona. Fala de projectos, sessões públicas. Começo a pensar num novo livro. Mas ainda tenho o "Café Paraíso". Ainda não o enviei para a &etc. Há também o Luís Filipe Cristóvão que não fechou a porta. Às 5 recomeço a ler. "Por Amor a Che". O lado feminino das coisas. Fui mijar. Espirro. Não estou na "Brasileira" nem no "Piolho". O ambiente não é o mesmo. A casa é pequena. Há sossego. Demasiado sossego. "A vida vai torta/ jamais se endireita", cantam os Xutos. Preciso de companheiros, dispenso o rebanho. Esta coisa de andar sem trabalho torna-nos diferentes dos outros. Não temos as mesmas preocupações. Temos outras. Peço outro café.

2 comments:

Claudia Sousa Dias said...

diário de um escritor do caos...


csd

Claudia Sousa Dias said...

gostei da foto.

csd