Friday, April 17, 2009

NO PÁTIO (SEM TRIUNFO)


Para a Filó

Venho ao Pátio
e não sou recebido em triunfo
esperava abraços, palmas, ovações,
foguetes, honrarias
a celebrar o meu regresso
Mas nada
aqui sou apenas mais um
um cidadão comum
um viajante solitário
que vem beber uma cerveja
e se senta ao balcão
além de não haver aplausos
está o tédio instalado
e não conheço quase ninguém
não sei como vou permanecer
aqui toda a noite
se ainda, ao menos, tivesse
dinheiro para a borracheira
até a música repetitiva me irrita
desabituei-me dos bares
antes fazia a sua apologia
não sei como vou aguentar a noite
peço mais uma cerveja
talvez vá até ao mar
talvez me deite à beira-mar
-e entra um gajo sorridente-
bem sei que esta merda pode ser
um exercício poético magnífico
mas se não vierem os meus amigos
eu não vou aguentar
já é pouca a ligação com esta cidade
com este bar
o que me safa é que estou
com algum espírito aventureiro
não há ninguém para cravar uma cerveja
ainda se vêem umas caras bonitas
vou aguentar aqui até às tantas
poderia apanhar o metro
e ir para casa dormir
mas também não me apetece
ir para casa
ontem passei a tarde na cama
fico pior quando faço essa merda
e a cerveja está a acabar
os amigos não vêm
nem estão lá fora
- e entra o artista
que apareceu no jornal-
até há uns gajos que vêm aí
que escreveram umas coisas sobre mim
mas eu não os conheço

A Filó viu-me só e ofereceu-me
uma cerveja
as coisas estão a melhorar
e o outro camarada agarrado às notas
e o mundo inteiro agarrado às notas
é quase meia-noite
os amigos não vêm
e o álcool circula
e o anarco-registador não está
nem o anarco-moralista
e o "Poeta a Mijar" já não está exposto
talvez se tenha vendido
ainda se vendem os meus livros

Dizem que isto é um espaço alternativo
mas eu estou cheio de tédio
desabituei-me dos bares
só vou ao Púcaros às quartas-feiras
mas aí é porque descarrego poesia
mas aí é porque faço terrorismo poético
e passo mensagens subversivas
podia falar com a Filó
mas ela anda a tirar cervejas
e também não sei o que lhe iria dizer
coisas banais, talvez
também há uma antiga colega minha
que escreve para o jornal que está
à minha frente- a Teresa
nunca mais serei jornalista
na verdade, tenho algumas saudades
tinha dinheiro para os copos
apanhava borracheiras
não ia trabalhar de manhã
Ai! A Teresa loirinha
tão linda que era
casou com um jogador de futebol
teve filhos
divorciou-se, enfim,
o Pátio não me atrai
e os amigos nunca mais vêm
estou a escrever mais um texto genial
e de merda para ler no Púcaros
e para colocar no blog que 3 ou 4 gajos lêem
-entra o John Lennon com a família-
uma gaja pede um porto
grande exercício poético
mas tudo o resto é tédio
excepto a Filó
vou mesmo dormir à praia
a cerveja circula mas não para mim
todos têm dinheiro excepto eu
e começo a empancar
às vezes parece que funciono a cerveja
deveria ter ido para casa
os livros estão cá mas o livreiro não
de qualquer maneira, já escrevi
como o caralho
já não sou o cidadão comum
a verdade é que não consigo ficar alegre
sorrir para toda a gente
nem tenho sempre aquela observação a propósito
nem a piadinha do momento
vim ao Pátio escrever um poema épico
não tenho aplausos, ovações, honrarias
não saio daqui em ombros
isto é o que consigo escrever agora
qualquer coisa entre a merda e o sublime
qualquer coisa de imparável
qualquer coisa que levante a nação.

Pátio, Vila do Conde, 26/27 Julho 2008.

1 comment:

Claudia Sousa Dias said...

qualquer coisa entre a merda e o sublime.


pedro e o antikitsch kunderiano.


csd