Todo este acto de escrever é uma possessão. Durante escassos minutos, mais raras vezes ao longo de horas, a mente transforma-se. Os dois hemisférios comunicam através de um plasma que faz a ponte entre o racional e o emocional, entre os eus que existem em cada um de nós. Os neurologistas ainda não conseguem explicar com precisão este fenómeno, mas os poetas há muito tempo que o descrevem através de imagens: para William Blake, o momento inspirador arrebata-o como uma possessão demoníaca; James Joyce equiparou-o a uma epifania divina; Hart Crane, como outros autores, chamou-lhe uma visão.
Qualquer que seja a palavra utilizada para descrever esta sensação súbita e arrebatadora, a ideia é sempre a mesma: o escritor deixa de ser ele e passa a ser outro. Um outro sobressaltado ao descobrir uma ideia oculta dentro de si. Esta inspiração é sempre intensa, perturba e exige ser transcrita para o papel tão rapidamente quanto possível. Há o receio de que esse momento mágico – que Sophia Andresen dizia ser uma oferta dos deuses – desapareça. Alguém argumentou que a inspiração é uma lebre em fuga; quando reparamos nela, já só vemos as orelhas.
Um caso bem conhecido é o do escritor Samuel Taylor Coleridge. Em 1796, o poeta inglês tomara dois grãos de ópio, por indicação do médico, e caiu num sono profundo. Quando acordou, sentiu-se inspirado e redigiu febrilmente os primeiros cinquenta e quatro versos daquele que, vinte anos depois, viria a ser o seu poema mais conhecido – Kubla Khan – uma evocação do paraíso perdido de Xanadu. Mas o azar bateu-lhe à porta: um angariador de seguros da cidade próxima de Porlock interrompeu-o, durante uma hora, discursando sobre finanças. A inspiração desapareceu tão subitamente quanto aparecera, e o poema ficou incompleto.
Foram e continuam a ser muitos os autores que recorrem a toda a espécie de expedientes para convocarem a inspiração: alguns ouvem música, outros consomem bebidas alcoólicas, outros passeiam ao final do dia. De longe, o mais original foi o pintor, escritor e publicitário Salvador Dali. Este desejava entrar no mundo mágico do subconsciente onde habitam os sonhos e mistérios, as pulsões recalcadas e os medos, os desejos e os projectos. Conhecedor e estudioso da obra de Freud, Dali sabia que é mais fácil penetrar esse mundo quando a mente está relaxada – ao final do dia, ao acordar, ou antes de adormecer, por exemplo. Como bom catalão, Dali gostava de dormir a sua sesta, mas fazia-o com a excentricidade que todos lhe conhecem. Deitava-se num sofá, com uma colher na mão e um prato no soalho. Quando estava quase a adormecer, os músculos dos dedos descontraíam, a colher caía sobre o prato e acordava-o. Recém-saído dos portões do subconsciente, Dali levantava-se e pintava até perder a noção do tempo.
Saturday, July 11, 2009
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1 comment:
a ideia é interessante.
csd
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