Wednesday, October 1, 2008

CESARE PAVESE

O INSTINTO

O homem velho, desenganado de tudo,
da soleira da porta, sob o sol cálido,
observa o cão e a cadela a satisfazerem o instinto.

Sobre a sua boca desdentada perseguem-se as moscas.
A sua mulher há muito que morreu. Também ela,
como todas as cadelas, não queria saber disso,
mas não lhe faltava o instinto. O homem velho cheirava o ar
- ainda tinha dentes -, a noite vinha,
metiam-se na cama. Era bonito o instinto.

O que agrada no cão é a grande liberdade
De manhã à noite vagueia pela rua;
e ora come, ora dorme, ora monta cadelas:
não espera sequer pela noite. Raciocina
com o faro, e os cheiros que sente são seus.

O homem velho recorda-se de uma vez
em que o fez como os cães, de dia, no meio duma seara.
Já não sabe com que cadela, mas lembra-se do grande sol
e do suor e da vontade de nunca mais acabar.
Era como numa cama. Se os anos voltassem,
gostaria de o fazer sempre no meio duma seara.

Desde a rua uma mulher e pára a olhar;
o padre passa e volta-se. Na praça pública
pode-se fazer tudo. E até a mulher,
que tem pudor em voltar-se para o homem, pára.
Só um rapaz não tolera o jogo
e faz chover pedras. O homem velho indigna-se.

(Cesare Pavese, Trabalha Cansa, Trad. e Introdução de Carlos Leite, Cotovia, 1997, pp. 265-267)

Cesare Pavese nasceu há precisamente cem anos em Santo Stefano Belbo; estudou em Turim, tendo apresentado uma tese sobre Walt Whitman. Pertenceu ao Partido Comunista Italiano e trabalhou como tradutor para a editorial Einaudi. Poeta e ficcionista, dele estão traduzidos para português vários livros como o seu diário, Ofício de Viver, ou as narrativas A Lua e as Fogueiras, Férias de Agosto, A Praia, O Verão, A Guitarra Quebrada, O Diabo sob as Colinas, Noites de Festa (estas últimas editadas nos anos 60 e 70 estão esgotadas). A sua poesia está compilada no volume Trabalhar Cansa (Cotovia). Suicidou-se a 27 de Agosto de 1950.

Retirado de http://discursodosdias.blogspot.com

3 comments:

Claudia Sousa Dias said...

e seria uma cadela humana ou apenas uma cadela igual às outras?

e no caso de se tratar de uma cadela das outras seria ela mais humana que as cadelas humanas...?

(eheheh...!)

CSD

A. Pedro Ribeiro said...

filosófica...

Claudia Sousa Dias said...

ahahahah...!!!!!

:-))))


CSD